Nos romances de Leonardo Padura, em que a abordagem social importa tanto ou mais que a trama policial, tem-se a crônica de Havana. Em “A Transparência do Tempo”, o personagem Mario Conde —desgraçadamente para ele, um amante do rock e dos boleros— chega à conclusão de que a trilha sonora cubana do momento é o reggaeton, cujas letras lembram as do funk carioca: “Dame um chupi chupi/ Que yo lo disfruti”.
“Mamãe, eu quero ir a Cuba e quero voltar”, ensina a rumba. Cada país com a sua sina. Aqui, como se não bastasse o governo, vivemos, na música popular, sob o signo da sofrência, a qual, como o reggaeton de Havana, está em todo lugar, sobretudo nas ruas, com o alto-falante dos carros a todo volume relatando as circunstâncias do último chifre.
A sofrência —neologismo que junta sofrimento e carência, próximo ao arcaísmo sofrença— não é bem uma novidade na música brasileira. Somos chegados aos abismos da depressão amorosa. É de Catulo da Paixão Cearense o verso “O prazer de ver a lágrima nos olhos a sofrer”. Antônio Maria curtia ficar de bode: “Ninguém me ama/ Ninguém me quer”. Guilherme de Brito mandava tirar o sorriso do caminho, que ele queria passar com a dor de cotovelo dele.
Apesar da fama de terra alegre e carnavalesca, nosso cancioneiro de fossa é enorme. A diferença é que, até um tempinho atrás, a culpada era sempre a mulher —ingrata, pérfida, traíra. Não por acaso, as letras das músicas eram escritas por homens, tirante uma Maysa ou uma Dolores Duran.
Agora brilha Marília Mendonça, a rainha da sofrência. Aos 23 anos, penando de amor há pelo menos dez, ela emagreceu, parou de fumar e está bebendo menos, quer dizer, só bebe cerveja sem glúten. Suas canções têm bilhões de visualizações no YouTube: “Quem eu quero não me quer/ Quem me quer, não vou querer/ Ninguém vai sofrer sozinho/ Todo mundo vai sofrer”. Viramos a Argentina.
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