Namorados havia dois anos, aproveitaram para se despedir da solteirice no Carnaval. Ela foi com duas amigas se acabar nas ladeiras de Olinda; ele conseguiu sobreviver à maratona do Boi Tolo pelas ruas do velho Centro do Rio. Depois da folia, o casamento, de papel passado e tudo. Enfim sós no quarto-e-sala que descolaram no Catete, levaram pouco mais de um mês para descobrir que não conseguem se aturar sob o mesmo teto.
Mas aí o mundo já estava sofrendo a Covid-19, e eles não têm, por enquanto, como se separar. O homem deita num colchonete na sala, a mulher na cama do quarto. Trabalham em casa, cada um com seu laptop, horas seguidas, para esquecer a presença do outro. Vivem como modernos personagens de “A Guerra Conjugal”, obra-prima de Dalton Trevisan, encarando “as batalhas da Ilíada doméstica”, “as mil e uma noites de discussão, insônia e ranger de dentes”.
Em busca da nova normalidade, invejam os amigos que têm enfrentado problemas menores na quarentena: a energia dos filhos que andam de skate e jogam futebol no corredor; o síndico que, ao reclamar do barulho, berra na janela; a obrigatoriedade de usar máscara até nas áreas comuns do edifício; a internet que cai na hora da live da Teresa Cristina; os vizinhos que no fim de semana fazem festa e saem patrioticamente em carreata.
Odeiam os casais de celebridades que se expõem na mídia. Todos felizes e sorridentes fazendo pão, lavando louça, faxinando, brincando com sofisticados aparelhos sexuais.
Por sorte, até agora não sofreram fobias nem transtornos mentais típicos de um longo confinamento: depressão, ansiedade, medo, pânico, alcoolismo, suicídio. Afinal, não é tão ruim assim, pensam, diante da geladeira cheia. Mal ou bem, não estão debaixo da marquise. Lá fora muita gente já vivia e continua a viver na rua —uma gente que, nem sonhando, pode fazer pão em casa.
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