Alvaro Costa e Silva

Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

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Alvaro Costa e Silva

Pregões da pandemia no Rio de Janeiro

Com a desmonte do comércio formal, vendedores de rua reaparecem anunciando aos berros suas mercadorias

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Andam sumidos o Homem da Rosca e seu pregão malicioso ("Três reais para comer minha rosca! Ela é larga e doce!"), aos quais dediquei uma coluna em março, quando vivíamos o auge do isolamento social.

Espero que ele tenha mudado o roteiro de ruas e não sucumbido à falência, como grande parte dos estabelecimentos comerciais —estima-se que 40% deles deixem de funcionar no Rio até o fim do ano.
Hoje a concorrência de vendedores ambulantes é tão intensa que a cidade assumiu um clima de feira livre. Com eles, os pregões voltaram, podendo ser ouvidos a qualquer momento. Ao meio-dia, pontual, passa o Homem da Quentinha: "Vamos almoçar!", grita ele, cantando as palavras. O Homem da Vassoura vem logo a seguir: "Vasouuuuurrrrrasssss!", para desagravo da cachorrada presa nos apartamentos, que passa a latir em sintonia.

O Homem do Caranguejo, de rosto curtido no sal do mar, não desperta maior interesse. Ao contrário do Homem do Camarão de Cabo Frio. Vermelhão como o produto que anuncia, garante: "Camarão fresquinho! Pescado há dez minutos!". Onipresente, parece estar em toda parte, de Copacabana a Madureira, da Leopoldina a Nilópolis. Um assombro de vitalidade e simpatia.

Juro que, numa quarta-feira, parado na esquina, estava um tripeiro português. Em sua carrocinha, fígados cor de vinho, miolos lustrosos, mocotós de marfim. Na pracinha, de caminhões saíam uvas, lembrando o samba de Assis Valente na voz de Carmen Miranda, e abacaxis, perfumando o quarteirão inteiro.

O Homem da Pamonha, um clássico dos anos 80, já deve ter morrido. Assumiu seu lugar, na perturbação do sossego, o Homem do Ferro Velho, que roda numa kombi caindo aos pedaços. No alto-falante, a gravação com voz metálica de defunto: "Compro panela velha, latinha de cerveja velha, geladeira velha. Tudo velho!". Da janela, uma mulher ofereceu o marido.

Camelô vende máscaras de proteção e álcool em gel no centro do Rio - Marcos Vidal/Futura Press 16.mar.2020 - Folhapress

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