Alvaro Costa e Silva

Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

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Alvaro Costa e Silva

Novos e eternos párias

Sem ter onde morar, eles estão por toda a cidade, multiplicados pela pandemia

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Em 1952, José Carlos Oliveira —no futuro, Carlinhos Oliveira, o grande cronista do Jornal do Brasil nos anos 60 e 70— ainda era o Zé Precoce. Aos 18 anos, vindo de Vitória, chegou ao Rio sem um tostão no bolso e sentou num banco de praça na praia de Botafogo. Ficou boquiaberto com a paisagem e com as mulheres —além de lindas, elas fumavam em público e dirigiam automóveis!

O que mais lhe impressionou, no entanto, foi a miséria: mendigos desdentados, loucos falando sozinhos, bandos de meninos perambulando, prostitutas adolescentes. A marginalidade social o atraía como tema, até por tê-la conhecido de perto na infância. Resolveu escrever uma longa reportagem intitulada “Os Párias”, e para isso bastaria circular pela cidade.

Moradores de rua sob marquise no centro do Rio de Janeiro.
Moradores de rua sob marquise no centro do Rio de Janeiro - Ricardo Borges - 8.ago..2017/Folhapress)

Publicado em três páginas e meia da revista Manchete, o texto tinha linguagem de crônica, toques autobiográficos, citações de Bandeira e Drummond. É uma peça clássica, que deveria ser estudada nas escolas de jornalismo —um jornalismo que hoje só trata os moradores de rua como fria estatística.

Setenta anos depois, Zé Precoce não precisaria gastar sola de sapato para refazer a pauta. Nem precisaria sair de casa. Só chegar à janela. Os párias estão em todos os lugares, multiplicados, à espera do Natal. Sentam em frente às portarias dos prédios, embaixo das marquises, mãos estendidas. Em voz alta, suplicam por um quilo de fubá. Reviram sacos de lixo. Em geral são educados, dizem que Deus lhe dará em dobro. Mas alguns, em surto, podem se tornar agressivos: escondem pedras e facas.

Com a pandemia, nota-se um novo tipo de cidadão, versão moderna de Ahasverus. Sem ter onde morar, ele vai pelas ruas carregando malas, mochilas, sacolas, com o pouco que lhe restou na vida. Para ganhar força na caminhada, berra hinos religiosos: “Só Jesus é minha salvação/ Eu sinto que Ele está neste lugar”. Qual lugar?

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