Nei Lopes é categórico: o pagode —um estilo de interpretação do samba e um subgênero da canção popular, surgido no Rio na década de 80— teve um poder transformador na música brasileira igual ou superior àquele que despontou com a geração de bambas do Estácio no fim dos anos 20.
Além de compositor, romancista, cronista, ensaísta, africanista, Nei Lopes é diligente lexicógrafo. Então vamos primeiro ao termo. Sinônimo de divertimento, farra e patuscada, pagode é reunião de sambistas. A partir dos encontros realizados no quintal do bloco Cacique de Ramos, virou o nome do tipo de música que ali se fazia, com inédita linguagem, balanço e jeitos de compor e de tocar, recuperando ingredientes da chula-raiada e do partido alto e readaptando instrumentos como o tantã, o repique e o banjo.
O que se criou de boca em boca, sem microfones ou holofotes, era um ato de resistência cultural, uma resposta ao esvaziamento dos terreiros e quadras nas grandes escolas, que na época já tinham optado pela concepção do Carnaval espetáculo. O Cacique se transformou em nova matriz do samba, despertando a atenção do mercado fonográfico.
A gravação do pau-de-sebo "Raça Brasileira", em 1985, revelou Zeca Pagodinho e Jovelina Pérola Negra. Na turma ainda havia Jorge Aragão, Almir Guineto, Arlindo Cruz, Sombrinha, Neoci e o Fundo de Quintal. Em 1986, Zeca estreou em disco solo e emplacou os sucessos "Coração em desalinho", "Quando eu contar (Iaiá)", "Judia de mim", batendo na casa do milhão de discos.
Luiz Carlos da Vila definiu o lance: "É perto de tudo/ Ali no subúrbio/ Um doce refúgio/ Pra quem quer cantar". Quase 40 anos depois, o som do Cacique acaba de ressurgir com roupagem de big band, Nei Lopes como crooner, no álbum "Pagode Black-tie". Em matéria de alegria, o ano de 2020 —que já foi tarde!— não produziu nada semelhante.
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