A decisão da primeira-ministra Theresa May de adiar a votação no parlamento sobre o acordo de divórcio com a União Europeia confirmou o caos político que tomou conta do Reino Unido.
O cenário é quase surreal.
Os partidos, o parlamento e a população estão tão divididos que é praticamente impossível chegar a um consenso mínimo sobre o futuro.
O país continua rachado, claro, entre os que amam e os que odeiam a União Europeia.
Mas agora também existem divisões profundas entre os que querem sair da UE de qualquer jeito, mesmo sem nenhum acordo de divórcio, e os que acham esse cenário catastrófico para a economia.
Um outro grupo está mais interessado em derrubar o governo para provocar novas eleições gerais –uma tese que ficou bem mais forte com a decisão de May de adiar a votação para evitar uma derrota acachapante.
Grande parte da Irlanda do Norte grita contra o acordo negociado pela primeira-ministra.
E muitos escoceses aproveitam as discussões para defender sua independência –o que pode colocar em risco a própria existência do Reino Unido.
E, claro, muita gente também defende que tudo isso pode ser ignorado e que o país deve simplesmente continuar na União Europeia. Seria como fingir que nada aconteceu.
No meio desse caos todo, alguns analistas e uma parte da imprensa passaram a defender a convocação de um novo plebiscito.
Eles alegam que já que os políticos não conseguem entender o que a população quer, então os eleitores deveriam dar a palavra final sobre o que exatamente imaginam para o futuro.
No papel, faz sentido. A soberania do voto popular resolveria a parada e conteria a balbúrdia criada pelos políticos.
Mas mesmo nesse cenário a confusão continuaria.
Só para começar, não existe o menor consenso sobre qual seria a pergunta na cédula do tal segundo e ainda pouco provável plebiscito.
Alguns defendem um simples voto sobre continuar na UE ou sair.
Mas esse voto binário já aconteceu, dizem os críticos, e a população já se manifestou. Os que votaram em favor do ‘brexit’ rejeitariam outra posição.
Uma segunda possibilidade seria a criação de um duplo referendo – com um primeiro voto sobre sair ou continuar na união; e um outro, sobre ter acordo ou não.
Mas os britânicos não conhecem a noção de votação em dois turnos.
E existe ainda a ideia de dar três opções para a população: 1) deixar a UE sem nenhum acordo; 2) aceitar o acordo negociado por May; e 3) permanecer na união.
Mas neste caso, pelo menos em tese, uma das propostas poderia ganhar com apenas 34% dos votos.
Isso não traria a representatividade necessária e só aumentaria as divisões políticas.
Como se vê, Theresa May ganhou tempo ao adiar a votação. Mas mergulhou o país numa confusão ainda mais profunda.
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