"Mãe, eu tô com medo". A declaração foi feita por um pré-adolescente após acompanhar o noticiário da quinta-feira (26), data em que completou uma semana da morte de João Alberto, o homem negro assassinado dentro de um hipermercado em Porto Alegre, minha cidade natal. Feriu feito a lâmina de um punhal a retalhar as entranhas. Senti que um pedaço da minha alma endureceu.
O impacto das palavras foi aterrorizante e forte como um coice. Por alguns segundos, fiquei sem reação.
Na verdade, entrei em pânico. O tempo pareceu uma eternidade em que meus neurônios buscavam a conexão certa para que eu conseguisse dizer as palavras mais adequadas à situação.
Sabia desde o primeiro momento que gostaria de falar "filho, não te preocupa. Não tens do que ter medo". Mas a realidade me impedia de proferir mentira tão deslavada. Acredito que a verdade, por mais dura que seja, é a melhor opção. Neste caso, me pareceu ser também o único caminho.
Em sã consciência, não há mãe de pessoa preta ou parda no Brasil que possa afirmar aos filhos que eles não têm nada a temer. Por mais triste ou absurdo que pareça, essa é a realidade dos negros no final do ano de 2020.
Ainda meio zonza, ensaiei timidamente um "filho, a mãe tá aqui e vai te proteger sempre que puder". Palavras pronunciadas com a falta de convicção de quem sabe que está afirmando algo cujo cumprimento transcende a própria capacidade.
Por mais zelosa que seja, não há mãe capaz de dar conta do impacto da ação de uma estrutura orquestrada e bem azeitada para ceifar, desumanizar, inferiorizar, humilhar e subjugar vidas negras até mesmo durante o exercício de tarefas corriqueiras, como ir ao supermercado.
Como mãe, mulher e cidadã brasileira, rogo a todos --independente de raça-- que façam um esforço para ao menos reconhecer essa chaga tão abominável que afeta o país de maneira brutal, devastadora, letal e que carrega o nome de racismo.
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