Na semana passada, lendo o artigo publicado pela jornalista Suzana Barelli na sessão Tendências/Debates desta Folha sob o título “A liberdade que meus filhos negros não terão”, me peguei a rememorar situações e a refletir sobre o quanto o Brasil é um país racista e preconceituoso —a despeito das negativas.
Em geral, seres humanos tendem a demonstrar certa incapacidade de reconhecer como legítimas as dores alheias até que de algum modo sejam afetados por elas. Quem é preto e pardo está cansado de saber que o preço da negritude é a eterna autovigilância. Mas esse é o tipo de coisa que quem é branco normalmente não faz ideia. Ou, quando faz, muitas vezes não reconhece como algo legítimo pois supõe que se trata de exagero.
Fato é que qualquer pessoa negra que teve a sorte de crescer em família cansou de ouvir o rosário interminável de recomendações que todos os pais zelosos desfiam para os filhos pretos. São conselhos como “Troca de roupa porque essa tá surrada demais para usar fora de casa”; “Melhor não ir de chinelo”; “Não cobre a cabeça com o capuz”; “Não anda com as mãos no bolso”...
Na medida do possível, uma pessoa negra precisa parecer impecável. Vale para a vida real e também para a ficção. Dia desses, assistindo a um filme na Netflix, uma das personagens, uma executiva negra bem-sucedida, atribuiu sua extrema dedicação ao trabalho ao que chamou de “imposto negro”. E explicou: “Não posso me dar ao luxo de errar porque meu erro tem peso dois”.
Fiquei remoendo manifestações de racismo arraigadas no cotidiano. Coisas aparentemente bobas, como o doce brigadeiro que no Rio Grande do Sul é chamado de negrinho, ou o bolo de chocolate com cobertura batizado nacionalmente de nega maluca. Para muitos pode parecer besteira, um mimimi.
Na prática, são sinais de que é preciso humanizar a vida e respeitar o outro. As implicações incidem sobre a possibilidade de viver com dignidade e sem medo.
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