A ideia de reparação pelo legado da escravização, que até hoje produz consequências torpes e apresenta graves implicações na vida da população negra, é algo que volta e meia me vem à cabeça.
Vendo as imagens das investidas dos cavalarianos do governo dos EUA armados de chicote para conter o ingresso dos migrantes haitianos na fronteira com o México, tive a estranha sensação de ter voltado no tempo. Parecia uma cena cruel do período colonial, na qual capatazes armados de relho continham um "plantel" de escravizados.
Seguramente há quem considere essa uma situação "normal", do contrário não teria ocorrido. Mas na visão de mundo de qualquer pessoa que se norteia por preceitos minimamente civilizatórios esse tipo de tratamento é inaceitável.
Em julho a ONU defendeu a adoção de uma "justiça de reparação pelo legado da escravidão e do colonialismo" e sua ligação direta com o racismo sistêmico e a violência policial. A alta comissária para os Direitos Humanos da organização, Michelle Bachelet, pleiteou a criação de mecanismo que permita o avanço da "justiça e igualdade racial".
Considerando a virulência da atuação das forças policiais e a quantidade de manifestações racistas contra a população negra, a iniciativa parece cada vez mais apropriada. E tem tudo a ver com a situação dos migrantes haitianos, que fogem de um país relegado à miséria desde que a população escravizada ousou se rebelar contra os colonizadores promovendo uma revolução que levou à independência em 1804, sob a liderança de Toussaint Louverture e Jean-Jacques Dessalines, mas implicou em sérias retaliações comerciais.
Como observou Bachelet, "por trás do racismo sistêmico e da violência racial de hoje está a falta de reconhecimento formal das responsabilidades dos Estados e outros atores que participaram ou lucraram com a escravidão, o tráfico de escravos transatlântico africano e o colonialismo —bem como os que continuam a se beneficiar desse legado".
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