Ana Paula Vescovi

Economista-chefe do Santander Brasil

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Ana Paula Vescovi
Descrição de chapéu juros Selic copom

O que realmente mexe com os juros no Brasil?

A alta de juros é processo que passa por escolhas públicas, muito além das atribuições do BC

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Após haver reduzido a Selic ao menor nível em 2020, o Banco Central começou o sétimo ciclo de aumento da taxa em 2021, para domar o surto inflacionário pós-pandemia. Ao contrário do senso geral, a reação não está sob total controle da equipe do BC e dos seus instrumentos.

Será a maior alta de juros desde a introdução do sistema de metas de inflação, em 1999. O Comitê de Política Monetária (Copom) começou o ciclo com a Selic em 2% ao ano, e a taxa deverá subir acima de 12% até meados deste ano, conforme precificação da curva de juros.

Será uma alta de mais de dez pontos percentuais, a maior entre as maiores economias do mundo, como se tivéssemos saído de um verão escaldante para o frio polar.

Fachada do Banco Central, em Brasília - Antonio Molina-11.jan.22/Folhapress

Houve altas comparáveis somente em 2002-2003 (8,5 pontos com ritmo mais veloz) e 2013-2015 (7 p.p.). Corrigindo esta comparação para a inflação esperada em 12 meses, o ciclo iniciado em 2002 teve efeito mais contracionista (8,6 p.p.). Os outros, de 2013 e 2021, tiveram efeitos similares (entre 6,5 e 7,5 p.p.). Novas regulações e tecnologias aumentaram a potência da política monetária. O ambiente econômico atual é completamente diferente do período 2002-03.

Desde lá, os fundamentos da dívida pública melhoraram. O país constituiu mais de US$ 300 bilhões em reservas e tornou-se credor externo líquido, o que reduziu a vulnerabilidade externa. O perfil da dívida mudou substancialmente, financiada predominantemente em moeda corrente e com maior participação de títulos com taxas pré-definidas ou atrelados à inflação. Isso eleva o impacto da política monetária na economia, pois os títulos do Tesouro reduzem/aumentam seu valor no mercado em função do aumento/redução de juros.

O volume de crédito bancário mais do que dobrou, as grandes empresas passaram a se financiar também no mercado de capitais, com redução no crédito direcionado. Do lado das famílias, o crédito consignado se consolidou, o rotativo do cartão de crédito pôde ser transformado em crédito pessoal e novas tecnologias trouxeram maior competição no setor financeiro. Agora, a política monetária age sobre uma base mais ampla de crédito, permitindo transmissão mais potente das mudanças de juros. Por fim, aprovou-se a independência formal do BC.

Com todos esses avanços, seria razoável esperar que o BC precisasse de menor esforço para convergir a inflação corrente (10,1% em 2021) para a meta (3,25% em 2023 e 3% em 2024).

Em 2021, estudo do FGV Ibre trouxe novas estimativas para os juros estruturais reais, que nem estimulam nem freiam o nível de atividade, mas são capazes de manter a inflação sob controle. Levando-se em conta a evolução dos fundamentos econômicos, os resultados apontam gradual queda do juro real estrutural: de 12% a 18% no início dos anos 2000 para 3,5% a 4,5% recentemente.

Desde o último aperto monetário (2013-2015), as expectativas reagiram positivamente à construção de um novo arcabouço fiscal. A perspectiva de maior controle sobre a expansão das despesas governamentais incentivou a aprovação da reforma da Previdência. A taxa de crescimento médio real das despesas no governo federal caiu de 6% em 1999 para menos de 3% ao ano.

No atual ciclo, a deterioração das expectativas refletiu a percepção do atrito entre os Poderes, além da evolução e do tamanho dos gastos públicos ensejados pela pandemia em um cenário global mais desfavorável. Além disso, em desalinho com a percepção de maior risco, as taxas de juros reais caíram para terreno negativo na pandemia, algo nunca experimentado desde a estabilização monetária.

Ademais, a exemplo de outros países, o BC e os agentes econômicos demoraram a perceber a natureza inflacionária de choques que mesclam fatores de curto e longo prazo: quebras de cadeias produtivas, mudança temporária no padrão de consumo, aceleração da transição energética e digital e o nearshoring (tendência de aproximação geográfica da produção).

Apesar das inovações recentes, não há garantias de queda estrutural da taxa de juros. O BC possui os instrumentos, mas que podem ser enfraquecidos pelas escolhas fiscais.

Os três ciclos mais fortes de aperto monetário tiveram um ponto em comum: a discussão da dificuldade de a política monetária conseguir, por si só, controlar a inflação, mediante quadro de alta significativa da dívida pública. Porém, naqueles casos foram realizados ajustes nas contas públicas. Quando a política fiscal não ajuda, o BC perde graus de liberdade para manejar o canal das expectativas, tendo que remar contra a maré: mais gastos públicos, mais inflação, mais juros, mais endividamento, menos consumo e investimentos e menos crescimento.

Se o Brasil sancionar um processo de ajuste fiscal menos previsível, poderá sinalizar a aceitação estrutural de mais inflação. Isso delegaria ao BC todo o encargo na árdua tarefa de trazer a inflação de volta à meta.

A alta de juros é um processo concentrador de renda, injusto, incerto e desigual. E que passa por escolhas públicas, muito além das atribuições do BC.

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