Anderson França

É escritor e roteirista; carioca do subúrbio do Rio e evangélico, é autor de "Rio em Shamas" (ed. Objetiva) e empreendedor social, fundador da Universidade da Correria, escola de afroempreendedores populares.

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Anderson França

Estamos na avenida Brasil, que corta as desigualdades, e vamos passar por ela

Seremos lembrados como a geração de humanos que viu restrições só vistas na Segunda Guerra

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Há um hino antigo que diz “nós vamos passar através do vale, em paz”.

A versão que eu mais gosto é do coral adventista Aeolians of Oakwood University. Em tempos de confinamento, vale conferir no Spotify “We Shall Walk Through the Valley, in Peace”.

Mas, preciso confessar, eu tenho uma certa dificuldade em visualizar um vale. Eu prefiro a avenida Brasil.

Eu morei na zona oeste. Na favela de Vila Aliança. Então eu saía do centro do Rio de Janeiro, no extinto 395 Coqueiros, ou num ônibus pirata que custava R$ 2 e ia, sem parar, pela Brasil, até a casa do caralho, ou Vila Aliança, meu lugar. Eram duas horas de avenida Brasil. Duas horas. Você pensava na vida de trás para frente, dormia e acordava, em pé, no ônibus lotado. Não tinha Facebook, rede social, nada. Era você com suas neuroses.

Pegava o ônibus às cinco da tarde, chegava na Vila às oito da noite, muitas vezes. Via o pôr do sol na Brasil. Passava por todas as favelas, da Passarela 5 até quase Santa Cruz. É muita coisa, amigo. É muito chão.

Por isso eu prefiro imaginar que nós estamos na avenida Brasil. Num ônibus velho, sujo, lotado, num calor da porra. Cansados, de um dia, de um mês, de anos de luta. Olhando uns para os outros, com cansaço e peso nas costas. Cada um com suas limitações, marmita vazia, corpo esmagado, roupa amassada. Pescoço sem perfume.

Eu prefiro imaginar que estamos nesta avenida Brasil, que corta todas as desigualdades, e quero imaginar que vamos passar por ela. E vamos chegar em casa, em paz. Cada um no seu conceito de chegada. Porque cada um quer chegar a um lugar diferente, mas todos querem chegar de um mesmo jeito: em paz.

O mundo parou. Nós estamos vendo algo na história. Seremos lembrados, daqui a cem anos, como a geração de humanos que viu restrições só vistas na Segunda Guerra. Na verdade, nem podemos dizer ao certo se seremos lembrados daqui a cem anos.

Se algum de nossos descendentes estará aqui. Se o prédio da Folha, hoje com esses jornalistas, essas mesas, essas pessoas trabalhando em textos, se isso ainda vai existir.

Mas eu quero imaginar que nós podemos atravessar essa avenida Brasil em paz. E ela leva o nome de Brasil não em vão. É nesse chão que nos formamos povo. Que nos cansamos, povo.

A todos que estão em suas casas, ou na luta, nos hospitais, o pessoal da saúde, dos serviços essenciais, os jornalistas. Os jornalistas que precisam de orações. Essa é a verdade. Profissionais que lidam com duas grandes crises diariamente. Uma política, outra pandêmica. E precisam voltar pra casa, ver os seus, e conseguir dormir. Eu quero dizer a vocês todos, nós vamos atravessar essa avenida Brasil, em paz.

Nós vamos atravessar isso. O que nos define como povo é o que seremos neste momento.

Por isso, queria pedir licença à Folha, que me recebe aqui desde novembro. E já passamos por algumas poucas e boas, Folha. E peço desculpas se fui um colunista tão problemático e ruim, às vezes. Mas eu queria pedir, apenas hoje, deixem essa coluna aberta.

Porque eu listo, abaixo, projetos de pessoas que acredito.

Pessoas de periferias e de pessoas em situação de rua e indígenas, que conheço há anos, e que desenvolvem trabalhos seriíssimos pela população que será mais afetada por este momento.

Eu converso com cada um deles, há muito tempo. E tenho ajudado pessoas, separadamente. Ajudei um projeto de Gramacho, divulgando uma campanha para eles comprarem água e sabão para moradores da comunidade. Precisavam de R$ 4.200, conseguimos R$ 10 mil, em um dia. E sei que estão usando o dinheiro para isso. Sei porque eu venho desse fazer, dessa luta. Eu não sou escritor. Eu sou um educador popular, que veio da periferia, e lá dediquei muitos anos da minha vida.

Nós, que podemos ficar em home office, que temos água na torneira, que temos álcool em gel, comida, salário, nós não podemos apenas observar o nosso semelhante morrer sozinho. Vamo lá, rapaziada. Se for R$ 10, você tem. Dez de um, dez de outro, a gente levanta muita ajuda. Eu poderia pedir isso a gente rica, mas você deve ter ouvido o áudio do Justus com o Mion.

Prefiro pedir a você, que nem dinheiro para assinar a Folha tem. E olha que é barato assinar a Folha. Desculpa o merchan. Mas sai mais caro um hambúrguer do Madero, cujo dono apoia Bolsonaro. E aqui pelo menos você lê uns truta daora.

Em todo caso, não vim pedir dinheiro para a Folha. Nem pra boicotar Madero.

É aqui, olho no olho, pega um trocado aí, aposta nessas causas. Já me ajudaram muito, hoje eu me sinto na obrigação de vir a um dos maiores jornais do mundo e dar voz aos que não têm.

Teremos alguns problemas, daqui para a frente. Violência doméstica, solidão, depressão, aumento de números de suicídio, desemprego, deficiência financeira, falta de recursos. Falta de água, meu amigo. Água. Para lavar a mão.

Minha coluna é um pedido.

Apoie, com qualquer valor, essas iniciativas. Estamos num momento em que precisamos ir um pouco além da hashtag.

Apoie. Você vai estar ajudando a mim, a você, a todos.

Vamos passar por essa avenida Brasil, em paz.

1. ONG Rio de Paz, do reverendo Antonio Carlos Costa, atuam no Jacarezinho, zona norte do Rio e estão distribuindo alimentos. Banco Itaú‬, agência 1185‬, conta 44820-4‬, CNPJ 09.551.891/0001-49.

2. Voz das Comunidades, de Rene Silva, morador do Complexo do Alemão, recebe doações de alimentos e kits de higiene. Caixa Econômica Federal, agência 0198, CC 3021-2, operação 03, ONG Voz das Comunidades, CNPJ 21.317.767/0001-19.

3. Rocinha Resiste pede doações de água sanitária, sabão em barra, álcool em gel, cestas básicas e água mineral. Pelo WhatsApp: +55 21 97960-4496, Leandro Benício.

4. Casa Amarela Providência, tradicional projeto na primeira favela da América Latina, arrecada doações para, em gestão com moradores, distribuir alimentos e kits de higiene. Casa Amarela, banco Bradesco, agência 0448, CC 12520-2, CNPJ: 25.144.594/0001-35.

5. O #Ação342 arrecada, pela plataforma de crowdfunding Vakinha, recursos financeiros que serão distribuídos para coletivos e ONGs da Maré, Alemão e Rocinha, que se comprometeram a aplicar os recursos no atendimento emergencial de moradores, seja de alimentos ou kits de higiene. As instituições apoiadas são também geridas por moradores. Você encontra a campanha no site www.vakinha.com.br e a ID da campanha 950767.

6. A Cufa – Central Única das Favelas pede doações para atender emergencialmente nas comunidades onde desenvolve trabalhos desde a década de 1990. A ideia é arrecadar recursos para compra de alimentos e kits de higiene. Na mesma plataforma que o #Ação342, Vakinha, e o ID da campanha 953041.

7. A Uneafro apresenta um projeto detalhado de apoio a comunidades periféricas de São Paulo e Grande São Paulo. Mantém campanha no Vakinha, com ID 949425, e também recebe doações diretas através do Banco do Brasil, agência 1202-5, conta corrente 74414-0 (ou dígito X), titular Associação Franciscana de Defesa de Direitos e Formação Popular – AFDDFP, CNPJ 11.140.583/0001-72.

8. O Coletivo B.A.S.E. mantém campanha no Vakinha e pede recursos para compra de material de higiene, que será encaminhado para comunidades em Santa Cruz. A ID da campanha 949920.

9. A Casa Semente continua com sua campanha para levantar kits de higiene para moradores de Jardim Gramacho. O reverendo Vladimir coordena a ação, que já apoiei nas redes. Banco Itaú, agência 3031, CC 09679-9, CNPJ 23200661/0001-66.

10. Mundano, renomado artista plástico e ativista de causas de população em situação de rua, recebe doações de água, sabão, kits de higiene e outros recursos, entrando em contato através do email doacoes@pimpmycarroca.com.

11. O padre Júlio Lancellotti recebe doações de material de higiene e limpeza, alimentos e roupas, presencialmente na rua Taquari, 1.100, Mooca, São Paulo e doações em dinheiro para Mitra Arquidiocesana de São Paulo CNPJ 63.089.825/0001-44, banco Bradesco, agência 0124, conta corrente 0053148-0.

12. Gizelle de Oliveira Martins, ativista e moradora da Maré, reconhecida pelo seu trabalho, pede colaboração para compra de kits de higiene e limpeza na Maré, onde trabalha em parceria com moradores e instituições, Banco do Brasil, agência 0249-6, conta 112.897-3, Gizele de Oliveira Martins, CPF 11041944730.

13. Unas - União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região, pede recursos para compra de kits de higiene e limpeza. Caixa Econômica Federal, agência 3124, conta 376-7, CNPJ 38.883.732/0001-40.

14. Favela Ação pede apoio financeiro para compra de kits de higiene, água e material de limpeza para atender crianças na Rocinha. Nubank 0001, CC 14861915-4, Eder Alexandre Silva, CPF 104.329.547-08.

15. Para acessar todas as campanhas Covid-19 no Vakinha, clique neste link e vai encontrar ações no Piauí, em Belo Horizonte e outras cidades, além do eixo Rio-São Paulo, onde tenho mais redes: https://www.vakinha.com.br/tag/coronavirus.

16. Apoio às Favelas Babilônia e Chapéu Mangueira, por onde andei com meus amigos Dudu do Leme e Anderson Lula, ativistas culturais nesta comunidade extremamente importante na zona sul do Rio. Entrega de alimentos e kits de higiene e limpeza, na Igreja Batista. Ladeira Ari Barroso, 17. Ou falar com Valdinei Medina +55 21 99888-6649.

17. O Projeto Ruas atende pessoas em situação de rua e está buscando recursos para adquirir água e sabão e outros itens, sobretudo para os idosos em situação de rua. Contato: contato@projetoruas.org.br. E para doar: https://benfeitoria.com/rededoruas.

18. Quarentena nas aldeias. Alimentação e kits de higiene para aldeias Guarani na região da Bocaina. Contato: +55 11 98931-3696 – Erica Mazzieri Junta Comunitária. Para doações em espécie, banco Bradesco, agência 1645, CC 6409-2, Nina Taterka Prado, CPF 052.844.287-22.

19. O Movimento de Luta nos bairros e favelas de São Paulo está recebendo doações e fazendo um grupo de brigadistas solidários. Contribua com recursos, Nubank, agência 0001, conta 47114194-1, Giovanna de Oliveira Calegaretti.

20. Grupo de Anjos da Tia Stellinha, no morro dos Macacos. Aceitam doações diretas de material de limpeza e kits de higiene, e doações pelo Bradesco, agência 1400, CC 3130-5, CNPJ 27.481/838/0001-09.

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