Anderson França

É escritor e roteirista; carioca do subúrbio do Rio e evangélico, é autor de "Rio em Shamas" (ed. Objetiva) e empreendedor social, fundador da Universidade da Correria, escola de afroempreendedores populares.

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Anderson França
Descrição de chapéu Coronavírus

Este ano pode ser uma escola de samba da desgraça, com Pugliesi de madrinha

São as mesmas meninas, jovens, mulheres, gays e homens brancos que vão perdoar a influencer amanhã e demonizar Babu

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Virado no Satanás, escrevo a coluna de hoje.

Não existe outra forma de começar esta coluna sem uma lata de querosene e um isqueiro, fumando um Derby vermelho, suado, dentro de um banheiro sujo e encardido de um buteco do Brás, os rejunte do azulejo tudo preto de imundície cachaçânica, a lâmpada de 60 watts piscando, os fio de eletricidade exposto, e eu mijando fora do vaso, o corpo tremendo com a raiva de 20 Ciro Gomes olhando pra cara da Tábata Amaral quando ela disse que se identifica como periférica sentada em cima de alguns diplomas de Harvard, e o olho com as veia tudo vermelha dódio, baforando Derby, acendo o isqueiro, gargalhando like Mister Lock Street, que é o Tranca-Rua do Harlem, abro o querosene, derramo no chão e aproximo a chama para o fio delicado que escorre da tampa, nessa, tu congela a cena.

Pense que o Babu pode me interpretar nessa cena, acredito que eu e ele partilhamos de alguns sentimentos neste momento.

A culpa da Gabriela Pugliesi existir é sua. O tutorial de hoje, meninas, é como mandar vocês tomar no olho do cu, com areia. Porque enquanto a blogueira fitness receber 46 mil likes pra aparecer fazendo vários nadas num quintal, com uma boca cheia de dentes e uma conta bancária atochada de dinheiro de marcas que por outro lado financiam essa prática lixosa de publipost, ela não vai parar.

O modelo de negócio de Pugliesi foi criado por Kardashian, KIM. Fazer nadas, pedir pra alguém fazer uma foto sua, AGINDO NATURALMENTE. Vendendo a ideia de uma vida EQUILIBRADA, ensolarada, namastê, 3% de gordura, móveis da Tok & Stok, um pug aleatório andando pela casa e sempre, sempre, mensagens positivas, de um universo que nem Buda conseguiu atingir, e se Buda fosse vivo hoje e visse essa sua sujeira, ele cancelava o budismo e ia se refugiar em Vila Inhoaíba, lá pra dentro das Baixada no Rio de Janeiro, com a depressão que Einstein sentiu ao ver que sua criação tinha sido usada pra destruir pessoas.

Duas marcas, até agora, cancelaram apoio a Pugliesi, mas nós deveríamos visitar essas páginas, saber que marcas são estas, e porque apoiaram ANTES. Quem são as outras pessoas que elas apoiam. E por que é sempre preciso chegarmos ao extremo para que alguém no departamento de marketing tome uma decisão. Pesquisa lá. Liv Up e Mais Pura. Inclusive se quiserem me apoiar, aceito. Mudar um pouco o público, mirar em pessoas rancorosas, problemáticas, encrenqueiras, fracassadas e com dívida no rotativo, mas usando Liv Up, ou comendo Mais Pura, eu não sei, se isso é de comer, se é de passar no corpo, tamo aí pra mentir se preciso for. Conta de luz aqui é em euro e tá atrasada.

Tatá Werneck pegou o pau do diálogo, o taco de beisebol da "Pedagogia do Oprimido", a vara nas costa do tolo, e deitou prazerosa madeira no lombo da desfrutável blogueira, o que fez com que eu cuspisse o café ralo que tomava na tela do celular. E então eu entrei nessa deep web das blogueiras fitness, fui internado numa UTI e já me encontro estável, mas terei sequelas.

Todo mundo aqui tá sabendo o que Pugliesi fez, eu não preciso me ater a isso, tampouco achar que ela seja a única pessoa que não entendeu a realidade do mundo em que vive.

Se 2020 fosse uma escola de samba, o abre-alas seria a Marcella Minelli, o Marcelo Bezerra e os 500 convidados que participaram do casamento deles em Itacaré, onde tinha um mais malandro que veio de Aspen, trazendo o vírus no corpinho bem nutrido de Danone, que se espalhou mais que fake news em WhatsApp de evangélico, e não teve o nome revelado, porque esse negócio de revelar nome de criminoso é quando tu é preto e pobre.

Pobre com um grama de maconha é ultratraficante, rico com um navio de cocaína é “estudante de medicina encontrado com entorpecentes”. E nesse abre-alas, viria Pugliesi, irmã de Marcella, sambando com um termômetro e agradecendo ao coronavírus pelo “lado bom” que ele tem.

Os seguidores perguntaram que lado bom tem uma doença que traz milhares de mortes, e ela apagou, mas não a tempo das pessoas, ali, já perceberem que estávamos diante de um problema muito maior que o vírus, pois como disse o zarôia, Satre, o bagulho não é o que fazem com você, mas o que você faz com o que fizeram com você, e Pugliesi demonstrou que, além de não entender nada do casamento que foi apontado por muitas pessoas como o EPICENTRO do contágio no início de março, veja bem, E-PI-CEN-TRO, não estamos falando de baile funk em Paraisópolis, mas uma festa de pessoas sapatênis em resort, ela, além de não entender a gravidade disso, pois achou que seria resultado da bebida (cadê a vida em equilíbrio, amada?), estava, com essa postura, meio que se abrindo pra publipost da RioPax, ou do Jardim da Saudade, que podem, se forem cretinos o suficiente, ver o lado bom disso.

Na verdade, entre uma fazenda de soja e um cemitério, qualquer agente imobiliário sabe que sepultura rende mais. E aí nasce o digital influenza.

Mas Pugliesi é a ponta do iceberg. Atrás dela vem o carro dos políticos.

Trump, igualmente branco, igualmente loiro, minimizando a Covid-19 e pedindo, semana passada, pras pessoas INJETAREM DESINFETANTE ou Lysol no corpo, o que de fato aconteceu, e em Nova York e outras cidades as autoridades de saúde receberam ligações de emergência de pessoas que fizeram isso influenciadas por ele. E quer saber o pior disso tudo?

ALGUMAS SE DIZIAM CURADAS.

Amigo, todos os universos paralelos se chocaram, estamos num curto-circuito espaço-tempo, em que pandemia, crise política, extrema direita traindo extrema direita, Frota apoiando Molon pra presidência do Congresso, Lula apoiando Doria, FHC dizendo pra Bolsonaro renunciar ou ele vai cair na fossa (repare que ele não fala “cova”), a lista de comunistas incluindo Moro, Olavo de Carvalho tendo surto atrás de surto psicótico (embora isso também aconteça num mundo em condições normais), um pastor da Assembleia de Deus chamado Nilson Gomes dizendo num sermão que “na boca de Jesus essa expressão ‘bandido bom é bandido morto’ nunca se ouviu”, indignado porque “pastores da Assembleia fizeram arminha com a mão” e perguntando “quando foi que a Assembleia de Deus tomou esse caminho aí?", Bolsonaro fazendo um discurso igual a cara dele, e que o zero quatro comeu metade do condomínio, aquecimento de piscina, o Teich atrás do Ernesto Pega-Esse-Comunista Araújo, ninguém sabe se ele tava dormindo ou se dando autoamor, Deus me livre, veja o vídeo, e na passarela vem ainda outros carros alegóricos, como o das faxineiras-celebridades, que descobriram pra que serve uma esponja e um Perfex, já que as diaristas não podem mais ir trabalhar, e no alto do carro, Maitê Proença, que me chamou de feio por causa disso, o carro que vem com a galera que encontrou em sua mansão de 8.000 metros quadrados um jeito de andar de skate na sala, fazer workout, montar uma horta toda trabalhada no veganismo, subir no coqueiro, pintar um quadro, inventar brincadeira pras crionça, e ainda beber chardonnay à noite e fazer sexo tântrico por toda a madrugada.

Vem mais. Essa escola de samba é muito desgraçada.

Vem a Ala das Subnotificações, a Ala do Atraso do Auxílio Emergencial, a Ala da Rota Alternativa por Dubai, com Flavio Dino vestido de respirador, uma coisa linda, a Ala dos Bolsonaristas em Carreata, que muito provavelmente, pelo andar dessa Amarok, não estarão vivos em 2022 pra reeleger aquele a quem Haddad se refere como “verme”.

Considere que esse enredo ainda foi escrito pelo vice-governador de São Paulo que afirma que o número de subnotificações pode ser cinco vezes maior.

Mas não podemos deixar de ter as três últimas alas, especialíssimas. Cariocas, claro.

Uma, a Ala dos Milicianos da Zona Oeste. Querem reabrir o comércio no cano da pistola. Jerominho no alto do carro, com oficiais da PM dando cobertura. E a outra ala, da Mureta da Urca.

A Mureta da Urca. Há um lugar no inferno pra quem se sentou lá no último domingo. Pessoas descoladas, com camisetas “Marielle Vive”, chopinho, uns croquete, debatendo os mestradozinho, a “resistência” do PSOL, todo mundo muito crítico, muito odiador de Anderson França, inclusive, esse misógino do subúrbio que agora goza uma vida de muita riqueza e bens na Europa.

E a última ala, a Ala Óbitoberkest. Os clientes dos shoppings de Blumenau entram com um saxofonista no alto do carro jorrando saliva pra toda Sapucaí.

No fim, vem os coveiros dançarinos de Gana. Coveiros que sambam em cima de caminhões frigoríficos. Eu, sinceramente, não consigo achar graça nisso.

Sinceramente, quando nós, povo brasileiro, vamos amadurecer?

Por que essas pessoas não usam a influência que têm pra apoiar gente que precisa de recursos em favelas brasileiras? Por que a inquietação que a Tatá manifestou não é uma prioridade nas postagens dessas pessoas que vivem como se NADA estivesse acontecendo, ou se está, na vida delas é algo que importa mais que na vida dos outros?

A Pugliesi é a ponta do iceberg. As amigas dela, que foram pra festinha e foram criticadas por vários artistas e personalidades sobre a hipocrisia pulsante, devem estar mandando mensagens pelo zap: “amiga, força, te amo, sei que você é mais que isso”.

Esse pessoal não aprende. Justus, veio da Havan, Luciano Huck. Há um pensamento odioso e seboso nessa elite econômica, branca, que se adonou dos direitos de declarar ao mundo o que é uma vida próspera, produtiva, saudável. As amigas de Pugliesi, as pessoas que dão like nela, provavelmente você, que sustenta o imaginário de uma vida perfeita para sublimar as próprias frustrações cotidianas, em vez de tentar resolver com terapia, tudo é farinha do mesmo saco.

Esse cacete não pode ir apenas na Gabriela. Mas em você. Geração imagética, dependente de biscoito pelo corpo, pela roupa, pela bunda, pelos peito, e depois vai pagar de ativista dizendo que “somos mais que um corpo”. Nós sempre fomos mais que um corpo, mas você não posta uma redação, amiga. É foto tua na piscina o dia inteiro, com salmo 91 na legenda, ou tu na academia, e soca whey, e retroalimenta esse Pugliesi way of life.

Nós devemos rever a forma como consumimos esse material na internet. Não podemos agora ser igualmente hipócritas e dizer que a culpa é só dela, se nós, com nossa audiência, fizemos ela se tornar uma pessoa conhecida.

Nós alimentamos aqueles que vão morder nossa mão. Fazemos isso o tempo todo.

Que o episódio da Pugliesi sirva para nós de recado, já que pra ela não vai mudar nada, dentro do seu privilégio branco, com a certeza que amanhã ela fala duas frases copiadas de alguém e vira “fada sensata”, caminho que Felipe Neto, malandra e comercialmente, adotou, sem nunca ter posto um pé numa passeata ou manifestação popular, MUITO PELO CONTRÁRIO, né.

E são as mesmas meninas, jovens, mulheres, gays e homens brancos que vão perdoar Pugliesi amanhã, e demonizar Babu. O Brasil, meus amigos, tá na iminência de uma explosão.

O que nos remete pro banheiro.

A cena congelada. Eu, querosene, isqueiro.

Dá o play.

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