Anderson França

É escritor e roteirista; carioca do subúrbio do Rio e evangélico, é autor de "Rio em Shamas" (ed. Objetiva) e empreendedor social, fundador da Universidade da Correria, escola de afroempreendedores populares.

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O confinamento está mudando como as pessoas fazem sexo e se relacionam

Acho que fiz a primeira live com prestação de serviços bacanais da história

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Outro dia, fiz uma live pra falar de sexo.

Lotou.

Gente de todo canto do mundo. No Brasil, dez da noite, em Lisboa, duas da manhã, mas tinha gente de Nova York, Alemanha, Espanha, até de Bangu tinha. Beijo pros gostosos e pras gostosas de Bangu.

Depois da live, abrimos um grupo de Whatsapp pra falar de sexo, na madrugada, e não deu em outra: nudes. Um desfile de nudes que só acabou meia hora atrás quanto comecei a escrever essa coluna.

Menina. O pessoal virou noite falando de sexo, ligando um pro outro pra fazer sexo virtual, alguns descobriram que estavam na mesma cidade e já marcaram um encontro a dois, em alguns casos, a três.

Acho que foi a primeira live com prestação de serviços bacanais da história.

Mas é o que o antropólogo Michel Alcoforado tem falado. Ele estuda a mudança no comportamento das pessoas, sobretudo nas relações afetivas na era pós-digital, os millennials que têm sexo com um clique no aplicativo, tão fácil quanto transferir dinheiro pra conta de um amigo, ou comprar um tênis, nesse tempo em que o Tinder estabelece entre nós relações de uso-objeto, e justamente nesse tempo em que milhões de pessoas não podem sair para viver sua vida sexual em liberdade, estamos descobrindo formas de nos relacionar, ter prazer e preencher a solidão e o vazio.

Pera, não é isso que estávamos fazendo antes? Sim, mas não percebíamos.

Agora, muitos casais concluíram que a relação monogâmica que tem não dá conta. Tem gente surtando porque não consegue ver a amante.

E o amante.

Já saímos daquele tempo em que apenas homens mantinham duradouras relações extraconjugais, certo? Tenho amigas. Muitas. Se realizam numa de amor partilhado em relação sólida e afetiva, pra ter um lar, pra criar os filhos, uma outra relação carnal, de desejo, intensa e proibida, outras relações, gavetas, com senhas, horários, limites pré-estabelecidos, mantendo a estrutura social que você vê numa foto de Instagram, numa tarde de domingo, família feliz.

E ele também. Mas deles, já sabemos. Já fazem isso há anos, e sinceramente, elas sabem. Só decidiram abandonar a culpa e viver suas experiências também.

Pra mim, tudo certo. Monogamia tem suas limitações, assim como outras formas de vida. Poligamia, poliamor, sexo livre, amor livre, nada disso fecha a conta.

Porque a gente vai mudando com o passar dos anos.

Eu, evangélico que cresceu ouvindo que masturbação era pecado, casei com uma taurina kardecista que é do balaco baco, no caso, Baco mesmo.

Hoje, tô cachorra. E estudo, com o olhar das ciências sociais e a psicanálise, as novas formas de afeto e sexualidade em tempos digitais.

E esse confinamento está sendo altamente didático.

Nenhum de nós é fiel, ou inteiro, nas relações mono que temos, e os solteiros nunca estiveram tão perdidos, em tempos de relações fluidas.

Por trás de um nude, pode ter desde um simples desejo, um sexo casual, uma relação de uso mútuo, até mesmo um pedido de socorro.

E sim, tem muitos pedidos de socorro nos nudes.

Pessoas que estão em solidão. Causada por um ambiente onde a sociedade descarta cada vez mais as individualidades e trata as pessoas como substituíveis.

É só observar o comportamento dos empresários brasileiros, muitos, que se recusaram a fechar suas lojas, e outros que demitiram as pessoas na primeira oportunidade, ou da classe política que além de retirar direitos trabalhistas, dificulta até o último momento o recebimento da verba de auxílio em temos de paralisação das atividades econômicas.

Vamo lá, gente. Libido de geral tá alterada.

A gente tá transando menos, alguns nem tão transando mais.

A cabeça estragada com tanta notícia ruim, e um presidente que joga contra o próprio time. Quem fica molhada sem tomar um goró é uma força da natureza.

A Pombagira dessa pessoa bate com o meu Jeová de lado. Porque eu sou macumbélico.

Mas confinados, precisamos falar sobre os afetos em quarentena. E olhar para o outro, que está ao lado, com um olhar de toda sinceridade, e caminhar com ele, se estiver difícil, e entender se não rolar um sexo. Comam um bolo de fubá juntos, com café.

Uma coisa é certa, as relações que já estavam em discussão no nosso tempo, depois desse momento global, vão se alterar mais ainda.

Mesmo que, no Instagram, você não veja nenhuma diferença. Todos ali, representando papéis de família margarina. Mas é nos bastidores das selfies que moram as verdades sobre nós.

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