André Roncaglia

Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP

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André Roncaglia

A abusiva autonomia do Banco Central

Política monetária precisa ir além dos interesses de mercado e incorporar a democracia

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"A autonomia do Banco Central foi uma conquista da sociedade brasileira", disse o banqueiro. Sempre desconfio quando um banqueiro fala em nome da sociedade. Essa foi uma das reações às críticas de Lula ao conservadorismo do Banco Central (BC) por este manter a taxa básica de juros asfixiando o entusiasmo empresarial.

A lei complementar 179/2021 concedeu autonomia funcional à direção do BC, com mandatos de duração fixa. A autoridade monetária fica livre para calibrar seus instrumentos para atingir a meta de inflação (atualmente irrealista), definida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional).

Admitamos, por ora, que a autonomia seja um avanço institucional na defesa da estabilidade macroeconômica. Ao blindar os mandatos da gestão do banco da influência imediata do Poder Executivo federal, a lei garante maior liberdade ao presidente do BC, mas silencia sobre protocolos de transparência institucional, bem como de ação e comunicação com o governo federal. Aponto, a seguir, quatro flancos em que a autonomia pode gerar déficits democráticos.

Primeiro, Roberto Campos Neto (RCN) participou ativamente da campanha à reeleição de Bolsonaro e apenas abandonou o grupo de WhatsApp intitulado "Ministros de Bolsonaro" quando foi flagrado pela imprensa. Afinal, RCN é autônomo em relação a quem? (Em tempo: qual seria a reação do mercado se o grupo fosse "Ministros de Lula"?)

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, faz apresentação na Federação Brasileira de Bancos - Mathilde Missioneiro - 25.nov.22/Folhapress

É claro o motivo de os mercados não reagirem negativamente a essas violações da blindagem com relação à política: por adotar política alinhada aos interesses do mercado financeiro, RCN pode falar do fiscal sem repreensões, enquanto Lula é severamente repreendido se criticar os juros altos.

Em segundo lugar, Alan Blinder defende, em "Bancos Centrais: Teoria e Prática", a autonomia simétrica do BC em relação ao governo e ao mercado financeiro. Como a política monetária afeta toda a sociedade, dar maior publicidade às reuniões do BC com agentes de mercado, hoje privativas, seria um grande avanço.

Terceiro, testes empíricos mostram que expectativas de agentes de mercado influenciam o comportamento da Selic. Sabe-se que expectativas de inflação podem ser moldadas por idade, experiência pessoal e viés político. Um estudo recente mostrou que, sob a gestão Obama, as expectativas de inflação nos estados republicanos eram quase 0,5 ponto percentual mais altas do que nos estados democratas, mas caíram 0,75 ponto percentual sob Trump.

Aqui no Brasil, 67% dos eleitores de Bolsonaro no segundo turno esperam alta da inflação. O percentual cai para 14% entre os eleitores de Lula.

Nada impede que convenções de mercado politicamente viesadas influenciem a política monetária, validando um conservadorismo mais duradouro. O boletim Focus compila as expectativas de inflação a partir de uma amostra de 130 bancos, gestores de recursos, empresas do setor real, consultorias e outras.

Estimular consultas públicas mais abrangentes alinharia o Focus ao espírito do art. 31 da Lei Federal do Processo Administrativo, mitigando eventuais vieses de seleção na coleta dos dados que informam as decisões do Copom (Conselho de Política Monetária).

Mesmo que a regra de juros do BC reduza o peso dessas opiniões, o Copom não está imune a vieses, como mostraram Romer e Romer (2008). Um indício foi a alteração arbitrária do objetivo de suavização do ciclo econômico, previsto em lei, para um genérico "promover o bem-estar econômico da sociedade".

Corrigir essa liberdade interpretativa da lei e dar maior transparência aos modelos e projeções do BC podem reduzir distorções.

Por fim, reduzir a opacidade quanto aos custos fiscais e aos efeitos distributivos da política monetária, bem como impor maior disciplina à porta giratória entre BC e o mercado financeiro, ampliaria o controle social sobre o Banco Central.

A política monetária precisa ir além dos interesses de mercado e incorporar a democracia.

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