André Singer

Professor de ciência política da USP, ex-secretário de Imprensa da Presidência (2003-2007). É autor de “O Lulismo em Crise”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

André Singer
Descrição de chapéu

Depois da ponte, qual futuro?

Retomada econômica se dá com aumento da informalidade no mercado de trabalho

O alento e simultâneo desalento do noticiário econômico começa a desenhar certas características da etapa em que estamos entrando. Finalmente, a recessão ficou para trás e prevê-se um crescimento de 2,5% a 3% do PIB este ano. A retomada, no entanto, se dá com nítido aumento da informalidade no mercado de trabalho, fruto da brutal recessão.

O problema é que quando a retração de 8,6% do PIB (2014-2016) tiver sido absorvida, o panorama continuará a ser regressivo no que diz respeito às relações de produção. A tendência é diminuir a proteção ao trabalho porque, digamos com todas as letras, a classe trabalhadora sofreu tremenda derrota no biênio 2015/2016. Vejamos.

A classe dominante impôs, via política econômica e votações no Congresso Nacional, pela ordem, o aumento do desemprego (2015), a terceirização das atividades-fim (2015), o teto de gastos públicos por 20 anos (2016) e a reforma trabalhista (2016). Falta ainda a reforma da Previdência, obstaculizada, até aqui, por uma conjunção entre Joesley Batista, Ministério Público, meios de comunicação e eleições de 2018.

Com o pacote, cai o custo da mão de obra. A Folha mostrou, por exemplo, que o rendimento médio de um empregado sem carteira é quase 50% menor do que aquele que tem registro. Tal mudança era necessária para alinhar o Brasil com o novo ciclo de expansão mundial, em que o neoliberalismo avançou mais algumas casas na desregulamentação. Chico de Oliveira chama essa tendência de longo ciclo anti-Polanyi, por referência ao pensador húngaro que falava no moinho satânico a triturar homens, "transformando-os em massa".

A narrativa dos acontecimentos brasileiros fica embolada, pois quem começou a mudança regressiva foi Dilma Rousseff, ao escolher o caminho do ajuste recessivo no final de 2014, associado a cortes em benefícios, como o auxílio-desemprego. Em abril de 2015, Eduardo Cunha unificou PSDB e PMDB (hoje, MDB) para aprovar a terceirização das atividades-fim, contra os votos de pequena bancada resistente. Foram 137 contrários, o mesmo número que sufragou contra o impeachment um ano depois, liderados pelo PT.

Em janeiro de 2016, Dilma defendeu a necessidade de uma reforma da Previdência e, em março, o então ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, apresentou um projeto para criar um limite legal para o crescimento do gasto público. Daí para a frente, Michel Temer nos fez atravessar a ponte amarga para o futuro sombrio. Não adianta chorar sobre o leite derramado, mas também não adianta deixar de ver que ele derramou. Fugir da realidade não ajudará a criar consciência.


Paro por três semanas. Volto em 3 de março.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.