André Singer

Professor de ciência política da USP, ex-secretário de Imprensa da Presidência (2003-2007). É autor de “O Lulismo em Crise”.

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Democracia sub judice

Inquéritos e sentenças tornaram-se tão centrais quanto propostas macroeconômicas

 

Urna eletrônica;  inexiste chance de o pleito virar a página e normalizar a situação do país
Urna eletrônica; inexiste chance de o pleito virar a página e normalizar a situação do país - Alan Marques - 3.out.2014/Folhapress

A realização de eleições competitivas neste ano é de importância decisiva para a continuidade da democracia no Brasil. Não obstante, inexiste chance de o pleito virar a página e normalizar a situação do país. A judicialização da política veio para ficar, dando, por extensão, muito maior relevância à mídia. 
O partido da justiça e os meios de comunicação tomaram uma parte do poder.

Nesta sexta-feira (9), um juiz de Brasília mandou soltar Joesley Batista, mas o de Curitiba decidiu bloquear R$ 4,4 milhões do ex-ministro Antonio Delfim Netto. Na terça (6), a Quinta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) recusou habeas corpus a Luiz Inácio Lula da Silva. Agora, o STF (Supremo Tribunal Federal) terá que decidir sobre a prisão do ex-presidente. Qualquer que seja o veredito, a batalha judicial em torno de sua candidatura vai se estender até o pleito, determinando o desempenho do PT e de todo o resto.

Poucos dias antes, a procuradora-geral nomeada por Temer, por sinal a segunda da lista, pediu que ele fosse incluído nas investigações sobre pagamento de propina de R$ 10 milhões ao MDB em 2014. 

Apesar do entendimento anterior, que vetava investigação sobre ações de presidentes estranhas ao mandato, o relator do STF acatou o pedido. Outro ministro do Supremo aproveitou a deixa para pedir a quebra do sigilo bancário do presidente da República por suposto envolvimento em denúncia relativa à edição de decreto sobre o setor portuário. Os problemas do MDB com a Justiça vão se arrastar por anos a fio.

Para completar a tríade, o PSDB, sempre mais protegido que os outros dois, viu a revelação, 15 dias atrás, de que o engenheiro tido como operador do partido em São Paulo dispunha de R$ 113 milhões numa conta na Suíça (informação mantida em sigilo pela Justiça desde outubro). São números comparáveis aos dos gerentes da Petrobras, cuja descoberta tornou a Lava Jato um fato consumado. Conseguirão os tucanos, mais uma vez, escapar ao destino dos congêneres?

Tal como na Itália, o bem-sucedido desbaratamento da corrupção não eliminou o sistema corrupto. A revista Veja, desta semana, trouxe na capa um caso novinho em folha, com cheques de suposta propina assinados no segundo semestre do ano passado para um “serviço” no Ministério do Trabalho. Não vai faltar matéria-prima para futuros escândalos.

É um erro imaginar que vivemos quadro de exceção. Criou-se um “novo normal”. Acusações, inquéritos, sentenças, recursos tornaram-se tão centrais quanto propostas macroeconômicas. Resta saber se, em meio a coletes blindados, denúncias e togas, a soberania popular conseguirá sobreviver.
 

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