André Singer

Professor de ciência política da USP, ex-secretário de Imprensa da Presidência (2003-2007). É autor de “O Lulismo em Crise”.

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Algum equilíbrio

Decisões do STF introduzem contrapesos no sistema que começou a funcionar após a Lava Jato

Da esquerda para a direita, os ministros do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello, Cármen Lúcia (presidente da corte) e Ricardo Lewandowski
Da esquerda para a direita, os ministros do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello, Cármen Lúcia (presidente da corte) e Ricardo Lewandowski - Pedro Ladeira/Folhapress

Em 12 dias, o STF (Supremo Tribunal Federal) tomou duas decisões que introduzem contrapesos no sistema desbalanceado que começou a funcionar com o surgimento da Lava Jato. A primeira foi declarar inconstitucional a condução coercitiva. Na última terça (26), em gesto inesperado, a Segunda Turma da corte determinou a soltura do ex-ministro José Dirceu (PT).  

É verdade que se tratou de votação contrária à decisão de 2016, tomada por 6 a 5 em plenário, a qual permitiu a prisão após condenação em segunda instância. No entanto, a posição adotada na terça expressa a postura atual da maior parte do STF, pois Rosa Weber, a fiel da balança, tem declarado que votará, quando o tema entrar em pauta novamente, contra o aprisionamento antes do último recurso ser esgotado. 

O assunto é juridicamente controvertido. Basta lembrar que o pedido de habeas corpus a Lula, em 4 de abril, obteve apoio de 5 dos 6 titulares do Supremo. Três dos que sufragaram a favor do ex-presidente conseguiram, agora, que Dirceu esperasse fora do cárcere os pareceres do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e do próprio STF. 

Há uma evidente ligação entre os casos de Lula e Dirceu, supondo-se que a libertação do primeiro acabe por beneficiar o segundo.

Com isso, para além das tecnicalidades envolvidas, cuja discussão cabe aos operadores do direito, o quadro político ganha alguma perspectiva de equidade. De um lado, líderes do campo popular obtêm benefícios. De outro, ainda que de maneira lenta, estreita-se o cerco sobre próceres do PSDB. 

No último dia 21, foi preso um ex-presidente da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário), em operação que apura esquema de corrupção no trecho norte do Rodoanel paulista em governos tucanos. Trata-se do segundo ocupante do mesmo cargo detido nos últimos meses. A campanha de Geraldo Alckmin poderá ser afetada por tais investigações. 

Não se trata de afirmar, a priori, a inocência ou culpabilidade de ninguém. O problema está em que, revelada pela Lava Jato a maneira sistêmica pela qual as campanhas dos maiores partidos eram financiadas, o polo popular foi manietado, enquanto o da classe média, com poucas e recentes exceções, manteve integral condição de concorrer. Na prática, a alternância no poder ficou abalada e, com ela, a democracia.

A judicialização e criminalização da política, infelizmente, vieram para ficar. A mescla desconfortável de programas econômicos e investigações policiais virou o novo normal. 

Alterado o contexto, é necessário que os disputantes tenham acesso aos mesmos recursos para que a concorrência seja legítima. As últimas resoluções do STF, ainda que controversas, permitem certa esperança no reequilíbrio do jogo.  

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