André Singer

Professor de ciência política da USP, ex-secretário de Imprensa da Presidência (2003-2007). É autor de “O Lulismo em Crise”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

André Singer
Descrição de chapéu

Dentro do nevoeiro

Cenário torna impossível decifrar como será a travessia dos meses que nos separam da eleição

A escuridão tomou conta do Brasil pós-greve dos caminhoneiros e já em plena turbulência do câmbio. A democracia depende de que o calendário eleitoral seja cumprido. Mas as condições meteorológicas tornam impossível decifrar como será a travessia dos angustiantes quatro meses que nos separam do pleito presidencial.

Como a Operação Lava Jato abalou profundamente os três principais partidos, o sistema anterior se desorganizou e não há um novo para substituí-lo. 

Jair Bolsonaro, o postulante da extrema-direita, parece ter compreendido, ou intuído, que neste quadro difuso quanto menos específico ele for, mais tem a ganhar. 

Saiu da paralisação rodoviária identificado com o partido dos militares, ou seja, da ordem. Para ele, está de bom tamanho, por isso foge dos debates, como o da Folha, em que precisaria apresentar um programa organizado. 

No polo oposto, Ciro Gomes, que, a bem da verdade, não se recusa a declinar um programa, também tenta aproveitar a onda que busca uma “mão forte”.

Chama os emedebistas de ladrões e os ameaça com prisão de modo a obter a simpatia dos eleitores que associam a corrupção à desordem do aumento dos preços da Petrobras. Mas basta observar a sua possível aliança com o PP para perceber o jogo de cena em curso.

Se os candidatos, por assim dizer, outsiders, preferem apostar na opacidade sistemática, no establishment político há um vazio de candidaturas. 

O “Manifesto por um polo democrático e reformista”, lançado na última terça (5), é a demonstração que Geraldo Alckmin não preencheu, até agora, os requisitos para representar a opção de centro. As declarações antidemocráticas quando dos tiros sobre a caravana de Lula, somadas à escolha de uma agenda excessivamente liberal na economia, isolaram o ex-governador paulista numa distante posição à direita. 

Enquanto isso, confinado ao mutismo carcerário, o dono da maior intenção de voto continua a ser o grande ausente do centro para a esquerda. 

À falta de opções oferecidas pelo próprio Lula, o espectro que ele representaria começa a se dispersar entre os que se inclinam para Ciro, os que preferem Guilherme Boulos e os que gostariam de começar uma articulação por Fernando Haddad. No círculo estritamente lulista, nomes como Celso Amorim e Gleisi Hoffmann também circulam à velocidade de um por semana.

Entre o anseio mágico por um líder que possa resolver os problemas por cima e o deserto oriundo dos partidos mais organizados, a ausência de direção é completa. Como um transatlântico engolfado por névoa espessa, vamos meio à deriva. Torcendo para que nenhum iceberg nos abalroe antes de 7 de outubro.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.