André Singer

Professor de ciência política da USP, ex-secretário de Imprensa da Presidência (2003-2007). É autor de “O Lulismo em Crise”.

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André Singer

O lulismo em movimento

Mesmo preso, Lula conseguiu manter o seu nome vivo na política

Começo por um alerta usual, neste caso imprescindível: cada pesquisa de intenção de voto é apenas a fotografia do momento. Depois, tudo pode mudar. Mas o retrato tirado pelo Datafolha no começo desta semana (dias 20 e 21 de agosto) é de uma maré montante lulista. 

Após quatro meses preso, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cresceu de 30% em junho para 39% em agosto, estabelecendo 20 pontos percentuais de vantagem sobre Jair Bolsonaro (PSL) no segundo posto. 

Quando se observa o fenômeno por renda, percebe-se que é geral: Lula cresceu em todas as faixas econômicas. Mesmo entre os mais ricos houve um acréscimo na preferência pelo ex-presidente, que passou de 14% para 20%. 

É possível que, nesse público abastado, a opção se dê apesar do conhecimento de que a sua candidatura, quase com certeza, será impugnada na Justiça.

Haveria, então, um conteúdo mais profundo, talvez de reação ao bolsonarismo, que, aliás, estagnou no ambiente próspero. Em troca, o apreço pelo militar reformado subiu de 21% para 25% no grupo cujas famílias vivem com 2 a 5 salários mínimos mensais.

 
Entre os mais pobres, porém, Bolsonaro despenca. Ali, Lula obtém 49% das preferências, contra 10% do deputado federal. Nessa camada, na qual estão os usuários do Bolsa Família, o petista aproxima-se da marca que alcançou, segundo o Ibope, em 2006, o ano do realinhamento: 55%.

Com perdão pela metáfora analógica, se o fotograma de agosto for transformado no filme de uma tendência, setembro poderá mostrar a plena recomposição da potência lulista.

Convém observar que, historicamente, o lulismo, embora divida o eleitorado, tende a perder em todas as camadas de renda, menos na mais baixa. Ocorre que, nela, tira todas as desvantagens e vence as eleições. Trata-se de sintoma da desigualdade brasileira, em que os pobres, excluídos de todo o resto, decidem, em condições democráticas, o destino dos pleitos.

Se, uma vez impedido de concorrer, Lula vai conseguir transferir os seus votos para o atual vice, Fernando Haddad, é outro problema. 

O acontecimento da hora é que o ex-mandatário, mesmo preso, conseguiu manter o seu nome vivo na política. Em decorrência, o lulismo tem chance, caso os próximos instantâneos confirmem o atual, de se converter em movimento. 

 

Ao transformar o pluralismo político em programa da Folha, criando um parâmetro para o conjunto da imprensa nacional, o jornalista Otavio Frias Filho (1957-2018) deu contribuição importante para a construção democrática no país. Fará falta neste momento perigoso para a democracia brasileira.

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