Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Angela Alonso

Ao vencedor, a batata quente

São muitas as oposições ao governo, cada qual com seus motivos e meios

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Há mais de um século, Quincas Borba louvou o “caráter conservador e benéfico da guerra”. Se duas tribos dividem um pequeno campo de batatas, argumentou, ambas morrem subnutridas. Mas se uma delas extermina a outra, fica com a batatada toda. 

“Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais feitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se (...). Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.” 

Aplicando o humanitismo à cena brasileira, os recém-empossados em Brasília adotaram tom longe de compassivo. Seus discursos transbordam o matiz violento, denotam, à maneira do romance machadiano, a preferência pelo extermínio dos estranhos à tribo.

Mas, como o novo presidente jurou a Constituição, supõe-se que abdique de censurar, prender, exilar ou fuzilar seus desafetos. Se efetiva a jura, a política manterá a centralidade que lhe cabe numa democracia. Isto é, em vez de Brasil sem clivagens, acima de todos, haverá governistas e oposicionistas, luta discursiva e simbólica, dissensos. 

E tal qual a pletora de grupos pró-governo, os opositores potenciais terão muitos naipes, oriundos de variados nichos sociais.

Na posse, o então presidente do Senado, Eunício Oliveira, declarou que as casas legislativas e os tribunais superiores estarão a postos para frear atropelos à lei.

Movimentos identitários respondem, desde a campanha eleitoral, com manifestações públicas, manifestos e abaixo-assinados, a discursos discriminatórios e ameaças de extinção ou mitigação de políticas protetoras de mulheres, LGBTQs, negros, quilombolas e indígenas.

É de esperar agito de movimentos sociais de esquerda bem estabelecidos, de agendas na contramão do programa bolsonarista. Os de pauta redistributiva, como MST e MTST, costumam revidar investidas contra direitos sociais e políticas públicas (em particular habitacional e fundiária) com ocupações e bloqueios.
Ativistas de direitos humanos já entraram em campo contra o armamento da população e o encarceramento em massa dos “maus elementos”.

Resistência previsível pode surgir em torno da liberdade de cátedra. Intelectuais, profissionais do ensino superior e cientistas opõem-se a projetos estapafúrdios como o Escola sem Partido e a “caneta desideologizadora”.

Outro barulho é capaz de vir de artistas e demais profissionais da cultura, se forem levadas a cabo as mudanças prometidas na Lei Rouanet, no Sistema S e em outras políticas de fomento à produção cultural.

Estudantes universitários e secundaristas —contingente de usual apoio a movimentos sociais— estarão a postos para adensar algumas ou todas essas mobilizações. Vide o retorno do MPL às ruas.

E vários outros grupos de interesse podem se levantar contra o governo, em reação a políticas específicas que afetem suas oportunidades, seus recursos ou seus direitos.

Volumosa oposição tende a nascer do funcionalismo público, incomodado por dois lados, o da reforma da Previdência e o dos rearranjos no desenho administrativo e políticas internas dos ministérios. Daí podem emergir greves e retardo de implementação de medidas, graças à força inercial da burocracia, tanto nos baixos escalões como no alto —por exemplo, no Itamaraty.

Zona de combate suplementar pode vir de setores institucionalizados da opinião pública. Se a recriação de sistema de monitoramento —versão maquiada da polícia do pensamento— for levada a cabo, penalizará associações civis e a imprensa. 

Ambas podem pôr a boca no trombone. A mídia tem um nacional, as grandes ONGs têm também o internacional.

Por fim, partidos de esquerda, tanto PT e PDT quanto os pequenos, têm garras veteranas e bem treinadas na obstrução parlamentar.

São muitas oposições, umas efetivas, outras potenciais, cada qual com seus motivos, interesses e meios de vocalização de críticas. Podem dispersar força, reclamando sozinhas, pulverizadas em centenas de abaixo-assinados e micromanifestações, ou disputando entre si a liderança do campo oposicionista. Se o fizerem, facilitarão a vida dos incumbentes. Será mais fácil para o governo lidar com uma batata quente de cada vez.

Ou os descontentes podem aprender com os bolsonaristas. Heterogêneos em posição social e em crenças, não titubearam em suspender suas diferenças para combater juntos o inimigo comum. Assim ganharam as batatas eleitorais. Se as oposições não fizerem o mesmo, acabarão perdendo a nova safra agrícola.

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