Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Angela Alonso

Fascínio bolsonarista com a monarquia é pelo seu atraso e violência

Apreço dos novos governistas pelo velho regime é por um liberalismo que resguardava a propriedade

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O “Príncipe” autoproclamado (títulos nobiliárquicos foram extintos há 130 anos) descomemorou a República. 

O verbo não está no Aurélio, mas a conduta dos governantes tampouco consta de manuais de ciência política ou de boas maneiras. O deputado sangue-azul desejou que o 15 de Novembro venha “pesar na consciência nacional”. E o ministro da Educação lamentou a “infâmia” de derrubar “um patriota, honesto, iluminado, considerado um dos melhores gestores e governantes da história”.

Com essas falas, os governistas, se os tivessem, teriam mandado seus escrúpulos historiográficos às favas. Quem ainda os tem deve perguntar para qual consciência nacional Pedro 2º é modelo de estadista. 

Sua imagem heroica é construção de áulicos que, no começo da República, fundaram o Partido Monarquista. Um dos redatores de seu manifesto logo produziu livro de reabilitação do Império. Foi Joaquim Nabuco quem fez esse serviço inaugural de edulcoramento das lideranças do Segundo Reinado.

O Estadista do Império é Nabuco de Araújo, mas quem sai engrandecido é Pedro 2º. De face, biografia do pai, no fundo, elogio dos políticos do regime caído.

Visão longe de consensual mesmo durante o Império. Na primeira década de Reinado, políticos experimentados deram rumo para o imperador adolescente. Adiante, de moto próprio, pôs o país em maus lençóis no rompimento de relações diplomáticas com a potência do tempo, a Inglaterra, e na teimosia em seguir a guerra ganha contra o Paraguai apenas para matar o chefe inimigo. Ausentou-se do Brasil em momentos críticos de deliberação sobre a escravidão, 1871 e 1888. 

Ao final do Reinado, assistia a missas e exames de estudantes enquanto o país flertava com a guerra civil. A imprensa e muitos políticos o viam como rei indeciso, fraco, desinteressado dos problemas nacionais, chamado a torto e a direito de “Pedro Banana”.

Pondo na balança o imperador idealizado e o efetivo, num prato vai seu amor por línguas e livros, os bons modos e a modéstia, no outro, vai a conta do reinado. 

O próprio Nabuco, antes de virar monarquista, fez a soma: 49 anos de Segundo Reinado, 48 de escravidão. O Império não caiu por fazer a abolição, consumiu-se em evitá-la. Não expandiu cidadania, não modernizou o país. Em 1872, 85% dos brasileiros eram analfabetos. Não chegaram aos rincões nem escola, nem Justiça, nem saúde, nem transporte, nem a administração pública.

Era um Estado liberal, ao gosto do governo corrente, que garantia prerrogativas econômicas e bélicas dos proprietários de terra e negava políticas públicas aos demais brasileiros. Estimulava a livre iniciativa —exceto a do milhão e meio de escravos.

Parte do fascínio bolsonarista com a monarquia deve a esse seu lado, o do atraso. Outra deve à sua face violenta. O Império nada teve de pacífico, atravessado por assassinatos políticos e revoltas reprimidas à bala. Até pena de morte a lei previa, mas nem precisava, a iniciativa privada a exercia com capangas, antepassados dos milicianos.

O governo do barão de Cotegipe ilustra a brutalidade do Estado monárquico. Sua “política do cacete”, designação precisa do deputado José Mariano Carneiro da Cunha, consistiu em fraude eleitoral, interpretações capciosas da lei, censura e destruição de jornais, policiais atirando em manifestações públicas e caça à mão armada a adversários. O chefe de polícia do Rio mandava raspar a cabeça de escravos fugidos apreendidos e de quem os ajudasse.

Os cidadãos de bem colaboravam. Em 1888, os respeitáveis de Itapira invadiram a casa de delegado suspeito de abolicionismo. Quebraram sua porta e seus ossos a marretadas. Como entre os linchadores estavam vereadores e o juiz municipal, demais autoridades fizeram vista grossa.

O apreço dos novos governistas pelo velho regime é por esse liberalismo que resguardava a propriedade, em vez de direitos individuais, e liberava armas para “autodefesa”.

Seu exercício recente está no assassinato de líder do PSOL no Acre, no ataque à exposição no Congresso, na agressão racista a professor da Unesp, em CPIs nas universidades, na perseguição a pesquisadores de temas indigestos —como a ditadura. Somam-se símbolo e número do partido do presidente e seu ministro da Economia, que secundou o 03 na defesa do AI-5.

Outro traço do Império admirado por bolsonaristas é a indissociação entre Igreja e Estado. Por isso nem adianta pedir que Deus acuda. Como a goiabeira de Damares fica no sertão de Riobaldo, se vier, Deus virá armado. 

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