Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Angela Alonso

A naturalização da submissão feminina é jogo jogado

Equidade de gênero é ideia bonita para estampar camisas, mas muita gente fica desconfortável com o uniforme

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O movimento feminista não entrou em campo queimando sutiãs nos anos 1960. As sufragetes fizeram campanha por direitos, em vários países, desde quase o nascimento do sistema representativo. Os homens votavam por elas, trabalhavam por elas, mandavam nelas. A vida pública era deles. A vida privada também: a longa dominação masculina entre quatro paredes é tão antiga quanto notória.

A bola rolou muito, entre uma Copa e outra, mas as regras do jogo pouco mudaram. Sou a única mulher dentre os dez que se revezam nesta coluna de política, aspirante recentemente incorporada ao plantel de homens titulares.

É que embora a equidade de gênero seja ideia bonita para estampar camisas, muita gente —inclusive mulheres— fica desconfortável com o uniforme. Quando a bola quica, a maioria prefere o banco de reservas. É sempre entre ranger de dentes, burlas, reações, que se escala uma mulher. Vejam-se as caneladas dos partidos com as cotas para candidatas. Nas artes, nas ciências, na política, onde a contestação feminina à dominação masculina entra no gramado, o contra-ataque machista se arma. Dilma Rousseff foi substituída aos 15 do primeiro tempo por muitas razões, mas o fato de ser uma “presidenta” —aliás, o português nem prevê a palavra— não foi irrelevante.

A vez é dos esportes, terreno viril por excelência, no qual as moças começaram de gandulas. O assédio nesta pequena área é centenário. Robinho fez o que fez —“a gente teve relação entre homem e mulher, relações que o homem tem com a mulher”— e disse o que disse —“não estou nem aí”. Ao ganhar cartão vermelho do Judiciário italiano, reconheceu como falta a pulada de cerca —“o erro que eu cometi foi não ter sido fiel à minha esposa”.

O tom da conversa com os amigos, afirmou ao UOL, foi o normal, é “o que homens conversam entre si”. Defendeu atacando: “Infelizmente existe o movimento feminista”, uma equipe de “mulheres que às vezes não são sempre mulheres”.

O jogo entre o esquadrão das vadias e o dos filhos de rainhas (como Robinho define a mãe) transcorre em todas as arenas. Vacilou, apanhou. A violência física é o corretivo quando a violência simbólica não faz bem o serviço. Caso do marmanjo socando a namorada no meio da rua em Ilhéus, indiferente aos que o filmavam. É que nenhum juiz apitara seus pênaltis em quase uma dúzia de BOs que deram em nada.

Se é assim em gramado sob holofotes, na meia luz dos vestiários o pau corre ainda mais solto. A pandemia agravou infrações e subnotificação. Nas alcovas, não há árbitros, só arbítrios. Na concentração forçada em casa no primeiro semestre deste ano, o Anuário do Fórum Nacional de Segurança Pública atesta que 648 mulheres foram mortas por não serem homens ou não lhes obedecerem. Dentre outras 1.861 assassinadas, muitas se encaixariam no padrão, apenas não há como demonstrá-lo. No campeonato nacional, foram 22.201 estupros e 110.791 surras com lesão física. Tudo na zona do agrião do doce lar.

É exuberante o plantel de sádicos furiosos. Nos processos judiciais, seus gols nascem da “violenta emoção”. Transtornam-se porque o time das agredidas não joga como gostaria quem tem o mando de campo. A escalação é democrática, com todas as classes e todas as cores —embora, como em tudo, as negras sejam as mais contundidas.

A naturalização da submissão feminina é jogo jogado. Bolsonaro não criou o esporte, mas esta torcida organizada elegeu este presidente. Por isso, Robinho está seguro de que “em breve as coisas vão voltar ao normal”. Como bolsonarista cristão, conta com a mão de Deus para escapar da zona de rebaixamento.

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