Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Lava-jatistas revelaram-se membros da linhagem que embanana moral privada e pública

Novos líderes moralizadores estão sempre se apresentando, mas são gatos que se vendem por lebre

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O ministro Edson Fachin ressuscitou léxico socialista fora de moda, ao definir o lava-jatismo como "a doença infantil" da Lava Jato. Em entrevista à Folha nesta quarta (10), distinguiu a operação do movimento em seu favor, com metáfora singela: "Numa frase muito pedestre eu me permitiria dizer que não importa a cor do gato, o que importa é se ele pega o rato". Depreende-se que o ministro viu na Lava Jato um fim nobre, a moralização do Estado, capaz de empalidecer seus erros de juventude —incluídas as vítimas incidentais de seu caminho para a maturidade.

Erros que demoraram anos a serem admitidos, embora estivessem aí às claras. A Lava Jato pode fazer o que fez porque se apoiou numa quase unanimidade, construída desde o mensalão, em torno da "moralização da política" como salvação da lavoura. Muitos empresários, partidos, movimentos sociais, contribuíram para a intervenção purificadora na política. A imprensa quase inteira foi só endosso, em capas de revista, manchetes de jornal, matérias nos telejornais, programas de entrevistas. Vieram as cerimônias, os prêmios, os livros, filme e até série de televisão. Tudo na uníssona santificação da Lava Jato e na transmutação de um juiz de província em símbolo da moralização nacional.

A burla de limites se perdoava porque, afinal, ensinam as séries policiais americanas e a brazuca "O Mecanismo", fazer justiça exige ignorar regras e até romper com elas. Para vencer a "corrupção sistêmica", só quebrando o "sistema". E, sendo justos os princípios, tudo bem mandar às favas os meios —o devido processo legal, no jargão jurídico—, junto com os escrúpulos.

O apoio amplo e sistemático tornou legítimas ações no limite da legalidade —as prisões preventivas em larga escala—, e outras fora dela, de que é emblemático o vazamento da conversa Dilma-Lula. O ato ilegal não apenas enfraqueceu o ex-presidente, alvo principal da operação, como deu o mote da campanha de rua pela derrubada de sua sucessora, o "tchau, querida" —fecho do diálogo liberado indevidamente pelo juiz de Curitiba.

O problema dos heróis é esconder sua identidade secreta. Ironicamente, o feitiço, o vazamento de conversas, agora se virou contra os feiticeiros, descortinando para os crentes na magia da "moralização da política" que todo discurso moralizador é um discurso político, vocaliza a ambições de certos grupos.

Os lava-jatistas revelaram-se membros da linhagem que embanana moral privada e pública, a corrupção política e a de costumes. Sua solução para o país é confiar no caráter de pessoas particulares —as "de bem"— em vez de aplicar regras abstratas para todos. O lava-jatismo nem sustenta seu verniz da novidade. Antes prolonga o "varre, varre, vassourinha" Jânio Quadros e o caçador de marajás Fernando Collor, estirpe salvacionista que pariu Jair Bolsonaro.

Quando o ministro da Suprema Corte veio a público elencar sete pragas nacionais podia ter usado muitos termos. Optou por "sintomas de corrupção da democracia". Seu diagnóstico é de que todos os problemas nacionais, de uma maneira ou de outra, decorrem de uma mesma doença, o câncer da corrupção. Segue, assim, falando a língua lava-jatista.

Quem caiu na esparrela lava-jatista, acreditando em super-homens purificadores e na sua missão desprendida de salvar o país, não está imune ao canto mavioso de novos "inconspurcáveis". Novos líderes moralizadores estão sempre se apresentando, com promessas de refundar a nação e transformar água em vinho. Mas são apenas gatos pardos que se vendem por lebre.

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