Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Nenhum dos lados, até aqui, carregou a base da sociedade para a rua

A linha de renda mais baixa, que lota ônibus e hospital, comparece pouco em ambos os lados

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Teve batuque de panela, acompanhado do refrão “Bolsonaro genocida” na quarta. Foi continuação da sinfonia “Vacina sim”/“fora Bolsonaro” do sábado. A manifestação presencial teve fartura de máscaras e ares de procissão. Expressou o luto pelos mortos que o presidente negligenciou e uma mesma incompreensão: como é possível que este governo exista?

Protesto capitaneado por três redes guarda-chuvas, Frente Povo sem Medo, Frente Brasil Popular e Coalizão Negra por Direitos, e amparo de dezenas de movimentos sociais, coletivos, sindicatos e pequenos partidos de esquerda, responsáveis pelo suadouro prévio que faz uma manifestação parecer espontânea.

Sob a comunhão pró-vacina, um pouco de tudo: “Hoje a aula é na rua” (Espírito Santo), “SUS sim” (Alagoas), “Nem vírus, nem fome, nem bala” (Rio Grande do Norte), “Reforma agrária” (Paraná), “Me livro de armas, me armo de livros” (Minas Gerais). Protesto grande nunca é uma coisa só.

Grande quanto? Em política de rua, tamanho é documento. Por isso, o presidente desdenhou (“faltou erva para o movimento aí”), reduzindo os manifestantes a “pouca gente”.

Não se sabe o número preciso. Nem institutos de pesquisa, nem polícia contaram. Mas há olhômetros mais acurados que o presidencial. Uma maneira seria aquilatar o volume como proporção do eleitorado. Mas é régua muito alta: mesmo manifestações gigantes, como as de 2013 e 2015, só carregam ínfimo naco dos votantes.

Outra é avaliar a reverberação na rede: a hashtag #29MForaBolsonaro rodou perto dos 2 milhões de posts. Há, ainda, a conta do MST, escolado por três décadas de rua, que estimou 420 mil manifestantes, em 213 cidades.

O melhor mesmo é comparar com a arregimentação oposta, porque, afinal, o que manifestação visa é alterar correlação de forças. Por esse ângulo, os bolsonaristas entraram em desvantagem, vem enchendo menos a rua. Mas, espicaçados pela concorrência, voltarão, sem máscara, por certo, incerto é em qual quantidade.

Para além do número, a disputa é por legitimidade. Quem fala em nome do “povo”? As marcas de motos e carros dos eventos pró-presidente atestam manifestantes de renda mais alta que a média dos brasileiros. Então o povo está do outro lado? O MST diagnosticou o contrário no sábado: “Foi baixa a participação da base da classe trabalhadora e dos camponeses”.

Nenhum dos lados, até aqui, carregou a base da sociedade para a rua. Deste ângulo, o 29 de maio não começou outra história, agregou um capítulo. Desde os anos Dilma, enfrentam-se nas ruas duas coalizões de atores organizados, oriundos, em maioria, dos estratos médios e altos. Nos eventos antigoverno, há mais estudantes, profissionais da cultura e funcionários públicos, enquanto os bolsonaristas são sobretudo profissionais liberais e da segurança, empresários e “empreendedores”.

A linha de renda mais baixa, que lota ônibus e hospital, comparece pouco em ambos os lados. Os protestos, até aqui, vocalizam grupos sociais que têm acesso a outros meios de expressão política para além da rua.

Muitos apostam no poder mágico das manifestações sobre as instituições políticas. Mas até magia tem limites. A CPI sintoniza com os manifestantes de sábado na crítica, porém, com as urnas à vista, a nenhum partido interessa desalojar o morador do Planalto. Tirá-lo de cena agora beneficiaria apenas o vice, alçado imediatamente a candidato em 2022. Endossar manifestação antigoverno é uma coisa, ação de despejo são outros quinhentos. O coelho do impeachment tem tudo para ficar na cartola. ​

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