Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Angela Alonso
Descrição de chapéu universidade

Giannotti fará falta nestes tempos em que cérebros mirrados governam

Ele foi destes, que, postos para fora da universidade, não abriram mão de produzir conhecimento, pensar o Brasil e formar novas gerações

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Escreveu Pierre Bourdieu que as instituições vestem as pessoas. Mas há, de outro lado, pessoas que, pela força da personalidade, do talento, da ação, se convertem em instituições.

No Brasil, floresceram destas grandes figuras na política, na ciência, na cultura. Criativos e criadores, geraram obras, leis e o próprio Estado de Direito. Nem sempre andaram em acordo, mas se defrontaram com argumentos racionais.

Nos tempos pré-Bolsonaro, discutir criticamente a sociedade, detectar problemas, aquilatar projetos coletivos era o corriqueiro em universidades, jornais, centros de pesquisa.

Agora vige um arremedo dos tempos ditatoriais. Há ataques a jornalistas, perseguições a professores, caso de Conrado Hübner, indicações para reitorias das universidades federais, à revelia da comunidade científica, e escassez de recursos federais para a pesquisa. Somou-se o apagão da plataforma
Lattes, crucial para o funcionamento da ciência brasileira.

A geração de intelectuais desabrochada nos anos 1960 vive a conjuntura como retorno do pesadelo. Muitos de seus membros foram aposentados, presos, expulsos ou mortos pela ditadura militar. O regime que o presidente tanto endossa fez uma razia no país, gerando então, como agora, êxodo coletivo de cérebros.

Dos que ficaram, uns migraram para a política, outros se refugiaram nos livros. Poucos seguiram ao mesmo tempo rigorosos na lida intelectual e relevantes no debate público. José Arthur Giannotti foi destes, que, postos para fora da universidade, não abriram mão de produzir conhecimento, pensar o Brasil e formar novas gerações.

O professor universitário José Arthur Giannotti - Avener Prado - 31.ago.17/Folhapress

Foi pleno no ofício. Produziu obra, um conjunto de reflexões de envergadura, que sacolejaram terrenos antes aplainados por certezas. Sua interpretação de Marx o consagrou, mas em vez de se acomodar onde pontificava, tornou-se crítico de derivadas do marxismo. A sede de saber o levou a outros pensadores complexos, caso de Wittgenstein, que, em seu último livro, contrapôs a Heidegger. Refletiu também sobre a amizade, sem poupar os próprios amigos da crítica impiedosa que aplicava a si mesmo.

As cercas da filosofia nunca o contiveram. Defensor e crítico da universidade, tornou-se a alma de uma organização fora dela. No Cebrap formou, implacável, mas generoso, várias gerações.

Em seu programa interdisciplinar de formação de quadros passaram filósofos, sociólogos, historiadores, críticos literários, antropólogos, cientistas políticos, economistas. Assim contribuiu para dotar o país de pesquisadores e formuladores de políticas públicas de alto nível.

Isso sem se alijar das controvérsias políticas. Na imprensa, refletiu sobre as muitas conjunturas que viveu.
Jamais pego pela comichão do governo, embora um dos fundadores do PT e amigo de um presidente da República, tampouco titubeou em distribuir petardos sobretudo a petistas, mas também a peessedebistas. É que a independência de pensamento era seu único dogma, alérgico que era a todos os dogmatismos.

Infenso também aos moralismos, teorizou sobre a impropriedade de priorizar critérios morais na avaliação da política. As consequências deletérias da confusão entre moralidade e política no Brasil estão aí à vista, com o debate de ideias rebaixado à reafirmação de convicções prontas.

Este intelectual-instituição saiu de cena na terça-feira. Fará falta nestes tempos em que cérebros mirrados governam e o “filósofo” predileto do presidente não tem nem mesmo diploma.

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