Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Angela Alonso
Descrição de chapéu congresso nacional

Nenhuma reforma institucional fará a mágica de reverter o egocentrismo

O maior desafio não é educar os pobres, é civilizar os ricos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Cada um com seu número. Tem a plaquinha do Renan, atualizada com os mortos por Covid. E tem os 500 vivos e abonados, pagadores de R$ 1.600 (quatro vezes o valor máximo do auxílio emergencial) para um festão sertanejo nos Jardins.

Quando o show, com fartura de silicone, ausência de máscara e deficit de elegância, foi interditado, Liziane Gutierrez, do alto de seus 526 mil seguidores, xingou a polícia por perturbar o divertimento, enquanto outros não podem velar seus mortos.

Cada um com sua crise. Basta uma no horizonte para que alguém saque listinha de reformas institucionais. A começar pelo presidente. Seu rosário de falas abstrusas é longo, mas seu foco é curto: voto impresso e palavrão.

A questão ultrapassa o cercadinho. Outro presidente, o da Câmara, veio com o semipresidencialismo. Arthur Lira é futurista, sua reforma vigoraria depois do mandato do sucessor do atual presidente. Isto é, depois de Bolsonaro (se o país tiver pingo de juízo), que é a causa da proposta.

O reformismo é sazonal no Brasil. A cada crise nasce dispositivo institucional milagroso. Ímpeto cíclico, diagnóstico perene: as mazelas nacionais viriam das instituições. Corrigidas, o mais funcionaria às mil maravilhas. Só que não.

Reformas políticas empurram o rolo para adiante. O distritão é maldito por dez entre dez cientistas políticos, que avistam o resultado: subrepresentação de minoritários e super-representação de notabilidades de aldeia (numa política já coalhada delas). A mania reformista se inspira em disfunções passadas, sem entendê-las, e idealiza o poder da lei em conformar o futuro.

Seu pressuposto é que boas leis produzem bom país. Ora, raros povos têm Constituição tão avançada como a de 1988. E ela não civilizou a nação.

O presidente vive a ameaçar a Lei Magna. As Forças Armadas, que a juraram, ciscam em volta dos que pouco a apreciam. Os outros Poderes saíram a campo para defendê-la. Mas, se é preciso reiterar que as instituições funcionam, a Constituição vige e há democracia, é porque tudo isso está em questão.

A sanha reformista encobre o fundamental. Os comportamentos da siliconada da festa, dos “sommeliers de vacina”, dos de máscara no queixo, dos que foram se vacinar no exterior, dos furadores de fila, como este Wesley Safadão de nome esclarecedor, e dos picaretas que a CPI descobriu, seriam distintos com semipresidencialismo ou distritão?

Nenhuma reforma institucional fará a mágica de reverter o egocentrismo, o insolidarismo, o oportunismo desta parte da sociedade. É sua existência que a CPI e o vídeo da Gutierrez atestam. A moça
teve uma egotrip de casa-grandismo desbocado: “Vai tomar conta de quem torra. Vai pra favela, caralho. Vai pegar na favela”.

Na favela tem gente menos endinheirada, mas mais polida, e que estaria presa por desacato, por bem menos que isso. A Gutierrez, que se apresenta no Instagram como “Tv personality, lawyer, model, vegetarian”, tem penca de seguidores pela mesma razão que Bolsonaro tem adoradores. Representam os brasileiros que não estão nem aí, desde que seu bolso e sua farra estejam garantidos. Ambos falam a mesma língua, em idêntica predileção pelo palavreado chulo.

Quem quiser mudar este estado de coisas precisa mudar a mira. Em vez das instituições, é preciso reformar esta parte da sociedade. O maior desafio não é educar os pobres, é civilizar os ricos.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.