Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Angela Alonso

O que sustenta uma democracia são instituições, não moralizadores

Enquanto persistir a ilusão em um líder capaz de salvar o país, haverá candidatos a purificadores

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Carlos Wizard não é mágico, mas é crente. À maneira da placa do relator com as vítimas da Covid, o depoente levou seu numeral. Chegou à CPI com um versículo. "Por isso não tema, pois estou com você; não tenha medo, pois sou o seu Deus. Eu o fortalecerei e o ajudarei; eu o segurarei com a minha mão direita vitoriosa (Isaías 41:10)."

Como tantos bolsonaristas, Wizard se vale do Velho Testamento para se apresentar como puro, salvo, bom. A atitude enuncia quanto política e moral se amarfanharam no Brasil, de modo que quase já não se pode falar de uma sem a outra.

A moralização da política é tão velha quanto a Bíblia, mas, de tempos em tempos, ascende ao primeiro plano. Neste mundo imperfeito, tem sempre algum fio solto e tem sempre quem o puxe. O puxador, até então anônimo ou secundário, da noite para o dia vira capa de revista e foco da política nacional. São os que, ao contrário de Wizard, desembucham. Figuras como os irmãos Luis e Luis, conhecedores dos meandros do labirinto. E labirinto nunca é muito limpinho.

Desde que começou esta acidentada Nova República, toda crise política tem um puxador, que delata corrupção rondando a cadeira presidencial. O caso é mais crítico quando se acusa a imoralidade dos moralizadores públicos. Assim foi que Fernando Collor, hoje na base bolsonarista, passou de caçador de marajás a presidente cassado.

O PT, protagonista do discurso pró-moralização pública naquela derrubada, sofre o martírio acusatório desde o mensalão. Por sua vez, os lava-jatistas, algozes dos petistas, saíram dos tribunais para se afundar em seu próprio poço de pecadilhos. Até o juiz herói Sergio Moro cedeu à sereia bolsonarista. A carne é fraca.

Bolsonaro elegeu-se para purificar o país, mas dirige um governo que passa uma terra plana inteira longe da pureza. Assim roubou de seus apoiadores empresários, dos pequenos aos bilionários, como Wizard, a justificativa para o apoio ao governo em nome da guerra à corrupção.

Os moralizadores estão sentados em todos os bancos do espectro político, sem ala VIP para direita ou esquerda. Tampouco se restringem a essa esfera, estão na imprensa, na academia, no mercado. São os que acalentam a fantasia de um mundo dividido entre o Bem e o Mal, no qual basta escolher o lado certo. A pureza moral é uma ilusão infantil, apela para o que não existe.

Quando os fatos mostram que o Bem não era assim tão bom, surgem os espantos, os arrependimentos, as defecções.

Enquanto persistir a ilusão em um líder moralizador capaz de salvar o país, haverá candidatos a purificadores nacionais.

Os ciclos de salvacionismo político se repetem porque muitos brasileiros anseiam por uma solução mágica e periodicamente votam nela. Mas o que sustenta uma democracia são instituições, não pessoas. A rotina democrática não opera por milagres, tem leis complexas, protocolos morosos, funcionamento imperfeito.

Tudo isso pode ser melhorado, pela ação coletiva e coordenada de muitos, de diferentes partidos, como, aliás, a CPI tem mostrado. Mas não por um Messias.

Pode ser que desta vez o país compareça ao seu encontro marcado com o princípio de realidade. Ou não. Assevera um versículo vizinho (Isaías 42:20) ao que Wizard citou: "Você viu muitas coisas, mas não deu qualquer atenção; seus ouvidos estão abertos, mas você não ouve nada".

Haverá sempre os surdos a argumentos e dores alheias que, como Wizard, se abrigam das perguntas incômodas no silêncio cúmplice.

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