Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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A paz está de malas prontas para fugir no feriado de 7 de Setembro

Manifestações políticas de policiais deixam o ar carregado, e não só de fuligem

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Por muito tempo pareceu apenas um feriadão talhado para a praia, mas o dia do grito do Ipiranga sempre teve mais a ver com chumbo que com água de coco.

A celebração da Independência nasceu vestida de farda. Os dois primeiros governos militares da República gestaram a “festa nacional”. Já o registro batismal do “Dia da Pátria” foi um decreto de 1934, rebento legítimo do nacionalismo varguista. Filho mestiço, meio autoritário, meio religioso, já que o deputado-padrinho era um membro da Liga Eleitoral Católica.

A liturgia completa do aniversário nacional, com desfile das tropas, só se instituiu com a lei de 1969. Quem a pariu foi a nossa ditadura militar mais recente. A PM protegeu os 25 mil soldados desfilantes dos “perturbadores da ordem pública” (Jornal do Brasil, 6.set.70), cujo destino seria o calabouço do DOPS.

Não espanta, pois, que um presidente que exalta o regime de 1964 queira este feriado para chamar de seu. As evocações destes “bons tempos” não são apenas suas, alastraram-se pelas redes sociais. A convocação bolsonarista deste ano é para um 7 de Setembro “gigante”, verde-amarelo, temente a Deus, bem financiado e bem armado. Armas que o governador de São Paulo reportou, em reunião, aos colegas de posto. O financiamento está igualmente às claras, com empresários pagando o transporte de PMs à Paulista.

E polícia pode fazer política? Se militares da ativa podem ocupar cargos no governo federal, muito comandante estadual interpreta que a Polícia Militar também pode dar seus pitacos nas questões pátrias, daí seus chamados às tropas para apoio ostensivo ao presidente.

O caso de São Paulo estourou, com pronto afastamento do indisciplinado. Mas o pavio permanece aceso, já que outro coronel se apresentou, ato contínuo, para seguir o serviço. Há outros de idêntica hierarquia, na reserva e na ativa, na mesma tarefa país afora. Tem até vídeo coreografado de batalhão carioca prometendo “tremer o chão”.

Repeteco dos anos 1960 também porque há dissenso quanto à direção autoritária da corporação. Dois oficiais graduados paulistas vieram a público dissentir. Um coronel da reserva, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, pediu punição a quem põe o uniforme a serviço de partido. Por vídeo, um tenente-coronel reiterou o compromisso com a democracia. No Piauí, a ordem foi mais expressa: proibir, punir e, se preciso, atirar. Este braço contrário à infiltração do bolsonarismo na corporação é vocal, mas soa minoritário.

O Judiciário e governadores vem reagindo, com conversas, advertências, conclamações à paz. Todos meios lícitos em situações democráticas rotineiras. Mas se as ameaças fardadas desandarem para além de palavrório, quem vai por guizo em gato armado? O Exército, imerso até o pescoço no governo, será contraponto fiável à Polícia Militar e aos cidadãos armados ao estilo Roberto Jefferson?

No desfile de 7 de Setembro de 2010, parte do público gritou “lindo” para o presidente. Esta semana muitos tornaram a admirar Lula, sobretudo a musculatura de suas coxas. A semelhança se restringe ao juízo estético. O tema da parada de 2010 foi a cultura popular como meio de promover a paz, e a Defesa Civil fazia recomendação singela: tomar muita água. É que o maior inimigo dos brasileiros era, então, apenas a secura do inverno. Agora o ar está carregado, e não só de fuligem. Apesar do apelo dos governadores, a paz está de malas prontas para fugir no feriado.

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