Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Angela Alonso

Em nova modalidade de provocação, Bolsonaro trocou a motociata pela tanqueata presidencial

Todo dia ouve-se que o presidente passou dos limites; vira a noite, segue a banda, o mandatário xinga, ofende, ameaça

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Nesta semana temos uma sexta-feira 13, mas o mau agouro adiantou-se. Na terça (10), o presidente fez seu ensaio geral de golpe de Estado. A fantasia o acompanha desde as urnas, incrédulo de que lhe tenham dado a faixa. Quando elas se abriram, em 2018, metade do país assistiu pasma o pesadelo virar fato. Outros acordaram tarde do sonho antipetista de verão.

Mesmo desassistido desses aplausos, o Cavalão, com seu físico de atleta, não esmorece. Se o esporte de cometer impropriedades no cargo estivesse nas Olimpíadas, compartilharia o ouro com Trump, à maneira dos amigos que dividiram a medalha do salto em altura. Findos os jogos de Tóquio, voltou ao exercício de provocação em nova modalidade, trocou a motociata pela tanqueata presidencial.

O país reagiu à novidade de três maneiras.

Uma foi a desmoralização humorística. O cortejo relâmpago de veículos caindo aos pedaços deu chuvarada de memes. Teve fumacê antidengue e carro da pamonha, corrida maluca e micareta de cacarecos. Falou-se em cortina de fumaça de escapamentos e no quadro “lata velha” do ex-presidenciável Luciano Huck. Fotos compararam a marcha imponente sonhada ao fiasco efetivo.

Somaram-se montagens, desde a esportista indiferente ao golpe em Mianmar transposta para Brasília até o presidente lavando um tanque de roupa suja. Na matadora, seu rosto toma o corpo do ditador da Coreia do Norte, com a legenda “Kim Be Cil”.

A resposta séria foi indignação e defesa contundente das instituições. Pela enésima vez desde o início deste desgoverno, tuítes, cartas, declarações, entrevistas, manifestos, cartazes, artigos, editorais, discursos saltaram à esquerda e à direita, da sociedade e do Estado —do Judiciário e até de membros das Forças Armadas.

Todos reiteraram o império da lei e do Estado de Direito. De novo. Ficou tão rotineiro reafirmar a democracia brasileira quanto o presidente caçoar dela.

Não caçoa sozinho. A terceira reação à tanqueata foi ufanista. Mesmo desapontados —a expectativa era parada militar de filme ou invasão à la Trump—, os bolsonaristas empedernidos incensaram o Mito e repetiram seus mantras, da ivermectina à intervenção militar, passando pelo voto impresso.

Há muito bolsonarista simplório e pé-rapado, como os do cercadinho. Mas não são poucos os endinheirados e prestigiosos, empresários, pastores e artistas, que arrastam clientes e crentes.

A indústria do sertanejo contribui com divos de três gerações: Sérgio Reis, Zezé de Camargo e Gusttavo Lima. Reis esteve com Bolsonaro nesta semana e vem convocando para um acampamento em Brasília, com artistas, caminhoneiros e empresários. Será na semana da pátria, com o objetivo de salvá-la. O lema esclarece de quem: “Supremo é o Povo”.

Um pedaço da sociedade grudou em Bolsonaro e está às ordens. No agregador de pesquisas do Jota, um quarto de eleitores acha seu governo ótimo. A votação de terça atestou que o apoio na Câmara é longe de insignificante.

Todo dia ouvem-se os mesmíssimos bordões: o presidente “passou dos limites”, sua popularidade “derreteu”, foi “enquadrado”, as instituições estão “blindadas”. Vira a noite, segue a banda: o presidente xinga, ofende, ameaça, transgride, faz-e-acontece. Bolsonaro e seu exército (este sim bem equipado) das redes sociais segue livre, leve e solto, na guerra à democracia.

Muito gogó e pouca pólvora? Tem quem aposte que sim e delegue o pepino às urnas (eletrônicas, ufa!) do ano que vem. O problema é sobreviver até lá.

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do que afirmou versão anterior deste texto, foi no salto em altura que dois amigos compartilharam medalha de ouro na Olimpíada de Tóquio-2020. O texto foi corrigido.​

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