Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Angela Alonso
Descrição de chapéu ameaça autoritária

Nada do que Bolsonaro falou no 7 de Setembro é novidade

Assombroso é que tantos ainda escamoteiem os termos adequados para nomear suas intenções e de seus apoiadores

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No aniversário da Independência nacional, o presidente proclamou a desobediência civil. Disse em alto, embora péssimo, som que não cumprirá medidas assinadas pelo ministro do STF, sua encarnação pessoal do Satanás.

Como ungido de Deus, sua primeira palavra na Paulista, segue na guerra santa por família, religião e propriedade. E pela liberdade, que resume a democracia no vocabulário bolsonarista.

Liberdade de comprar fuzis em vez de feijão, de não usar máscara, nem capacete. Liberdade de fazer o que bem entender dentro das quatro linhas da sua Constituição —já que a dos demais brasileiros é mais comprida, com 245 artigos.

O presidente declarou-se livre para desrespeitar instituições. Deu seu grito de golpe ou morte, só larga a faixa, bradou, se lhe for tirada a vida. Rejubilou-se a imensa claque verde-e-amarela pró-intervenção militar, financiada por empresários urbanos e rurais de mesma crença.

Fala golpista, ação moderada. Os tiros ficaram na arminha gestual do Mito. Não que faltasse a gana para apertar gatilho, mas porque a ameaça de golpe foi respondida de pronto.

A antecipação de governadores, que convocaram policiais de folga, e Supremo, que prendeu ou intimou operadores do golpismo das redes e das ruas, conteve as manifestações a limites, digamos, administráveis. Mesmo a parte bolsonarista da polícia seguiu —ou foi obrigada a seguir— a lei.

A operação contenção falhou, porém, em travar a língua do Mito, que emitiu o veneno antidemocrático costumeiro. Logo se espalhou o “agora foi longe demais”. Os outros dois Poderes deram “chegas” distintos.

Lira contemporizou e até achou democráticas as manifestações contra a democracia. Fux, contundente, chamou as coisas pelo seu nome. Nenhum dos dois, porém, usou a palavra mágica: impeachment.

Enquanto os chefes de Legislativo e Judiciário gravavam seus vídeos, os sequazes do que comanda o Executivo tentavam invadir o Ministério da Saúde e o STF e paralisavam estradas pelo país. O discurso de Bolsonaro os “autoriza”.

Contudo, nada do que o presidente falou na terça-feira (7) é novidade. Já tinha dito, repetido, reiterado, escarrado, tuitado, tudo. É moda falar em “narrativas”, mas nada há de disputável no discurso que demande interpretação. Bolsonaro é um campeão da literalidade. Suas intenções se exibem em atos, concretos e observáveis. O autoritarismo do presidente é sua primeira pele, jamais escondida pelo paletó democrático.

Ninguém pode ter sido surpreendido por este segredo de Polichinelo. O “jeito” do presidente é uma linha de ação. Não há uma crise política que tenha transformado um governo ordeiro em imprevisível. “Crise” é eufemismo para o nome do presidente.

E Bolsonaro nada tem de imprevisível. É monotonamente coerente, nunca sai do prumo. Desde o início da carreira defende o regime militar, inclusive a tortura, e, no governo, faz esforços contínuos para reeditá-lo.

Para moderadores de plantão, é tudo bravata. Radicaliza o discurso porque o raio de ação diminuiu, está cercado, já não governa. Mas quando se moderou, quando governou?

As alas das elites econômica e política e os cidadãos comuns que financiaram, compareceram aos atos de terça-feira ou que os minimizaram apoiam uma ruptura com a democracia.

O espantoso nesta tragédia nacional não é a atuação do presidente, sempre coerente com seus princípios. Assombroso é que tantos ainda escamoteiem os termos adequados para nomear suas intenções e de seus apoiadores: são autoritários, são golpistas.

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