Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Angela Alonso

A CPI expressa mais a nação do que o governo

Bolsonaros e bolsonaristas estão em dissonância com a pátria que dizem defender

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Acabada em meio a vazamentos, estrelismos e futricas, a CPI da Covid perdeu a chance de se fechar com a merecida chave de ouro. Dividindo-se, desperdiçou no finalzinho o que fez tão bem ao longo de sua existência: ser a voz da nação contra o governo.

A ideia de trazer depoentes comuns, cidadãos que perderam um pedaço de suas vidas ao perderem vidas que amavam, foi um grande ato político.

Alcançou dois efeitos difíceis de sobrepor. Um foi mostrar didaticamente o que um Parlamento pode ser: a expressão da sociedade que o elegeu. O outro foi a combinação genuína –fake é fácil– de emoção pessoal e ação política. Abriu espaço para que a dor das famílias das vítimas ganhasse foro institucional. Assim converteu o sofrimento privado em indignação pública contra a maior autoridade política nacional. Ato de dramaticidade rara, que poucas vezes a política alcança.

Comoveu a todos, menos ao presidente. Lido o relatório final da CPI, Bolsonaro foi Bolsonaro: "Nada produziram a não ser o ódio e rancor entre alguns de nós", "não temos culpa de absolutamente nada". O país, para além do cercadinho, discorda deste juízo.

O descompasso entre presidente e nação está claro nas pesquisas sobre governo e voto para o ano que vem. Aí se medem opinião e intenção. Nenhuma das duas é balsâmica para Bolsonaro.

Mas o recado acachapante vem da prática: 73% da população tomou a primeira dose da vacina. Considerados apenas os com mais de 18 anos, há quase unanimidade: 96%. Uma taxa de adesão assombrosa. Como esta é a gente que obrigatoriamente vota, a decisão presidencial de não se imunizar representa menos de 4% do eleitorado.

E como quem vacina é o Estado —apesar de empenhos do governo de delegar a tarefa à iniciativa privada—, o sucesso é do Estado. O Estado que o governo se empenha tanto em destruir.

Ao longo de décadas, o Brasil montou uma estrutura de políticas de bem-estar, que inclui as campanhas de vacinação e todo o arcabouço do SUS. A solidez deste sistema de saúde pública universal passou, no ápice da disseminação da Covid, pelo maior dos testes: funcionou apesar de omissões, boicotes, inoperâncias e incompetências governamentais.

O êxito da imunização em massa resulta de política pública bem urdida e de burocracia estatal aperfeiçoada por governos de diferentes partidos. Ancora-se na capilaridade do Estado e na dedicação de funcionários públicos, tidos por indolentes pela parte Guedes da sociedade. Se o Estado fosse miudinho, a tragédia seria mais graúda e mais comprida.

A CPI documentou a falência bolsonarista no provimento do bem-estar coletivo. Agora que a frente sanitária melhora, a inépcia do governo ficará a céu aberto, de corpo inteiro, sem o guarda-chuva da emergência. Os olhos se deslocam da pandemia para seus efeitos em educação, saúde, emprego, inflação, enfim, em todas as áreas nas quais o fracasso da administração Bolsonaro é retumbante.

Este governo tem um ano para fazer o que não fez em três. Seu êxito é da ordem do improvável. Mas, decerto, nem liga, pois joga a política no campo do espetáculo, não no da gestão.

Ao contrário da CPI, Bolsonaros e bolsonaristas estão em dissonância com a pátria que dizem defender. A nação está enlutada, de preto, como a capa do relatório da CPI. Quem vive em meio às desgraças do Brasil real não anda por aí gargalhando como o filho-senador ou, como o filho-deputado, fantasiando-se de xeique de um reino imaginário.

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