Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Angela Alonso

Percalços de um golpe

A observação do passado ensina que o processo golpista não é fácil

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"Golpe" é a palavra na ordem do dia. Adquiriu vida maiúscula em língua de políticos e páginas de jornais. Entidade tangível em mesa de bar, reunião de trabalho e almoço de domingo.

Quanto mais se fala, mais cresce a concretude. Antes se aludia ao "fantasma" do golpe, agora se discutem se seus braços são armados e se seu rosto é o presidencial.

Consenso não tem. Discute-se a coisa e seu nome, pois, como em 1889, 1930, 1964, há quem defina a mudança política à força como golpe, como quem a chame de "revolução". Os "revolucionários" atuais se dispõem às armas em nome da "liberdade" de impor o resultado eleitoral. Cantiga ensaiada em falas de presidente e família, de seu círculo político e dos fardados de diferentes forças e patentes.

No debate público, há o setor "não vai ter golpe". São os aferrados à tese de que, mesmo em frangalhos, as instituições democráticas aguentarão o tranco. No outro polo estão os catastrofistas. São os que frisam os perdigotos golpistas a transbordar das escarradas presidenciais.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) - Adriano Machado/Reuters

Ambas as posições, a otimista e a pessimista, se baseiam em declarações. É um indicador, porque não existe golpe se ninguém tem intenção de golpear. Mas entre intenção e ação vai fosso largo e longo. A observação de golpes passados ensina que não é bolinho transpô-lo. Estudos sobre nativos e estrangeiros listam muitos percalços no processo golpista.

Um é que gogó é uma coisa, ação é outra. Pode-se esbravejar e conspirar, mas, ausentes apoios político e militar, fica tudo no reino das histórias infantis, com seus vilões ineptos para concretizar o plano de dominar o mundo. O cão ladra, mas, na hora do vamos ver, podem faltar-lhe dentes para a mordida.

Segundo óbice é organizar o encadeamento de pequeninas ações que, juntas, configuram um golpe. Quem já tentou pôr ordem em mais de duas dúzias de pessoas sabe quanto chove dissenso, imponderabilidade, indisciplina, e até pedra, nas ações coletivas. Coordenar um golpe é desafio em si, requer inteligência dos estrategistas políticos, ingrediente escasso na casa golpista.

Não basta ordenar. Até o plano mais perfeitinho morre na praia, sem remadores para a travessia. Precisa quem tope o risco e, aí, o jogo de lealdades é um poker. Tem legalista que se bandeia no último minuto, mas tem quem combina tudo e some na hora H. E, dado o amadorismo bolsominion, não custa lembrar que é preciso saber executar.

Supondo que o golpe tupiniquim não fosse o fiasco do norte-americano que lhe serve de modelo, os problemas mudariam de nível.

Um seria o reconhecimento internacional. A órbita Putinesca talvez aplaudisse, os governos democráticos, não. A imprensa global, que o mercado lê, cairia de pau na quartelada. Em escala doméstica, o governo golpista careceria de legitimidade entre a metade da sociedade já hoje amuada com o governo, incluído pedaço do PIB.

Haveria oposição obstinada, a não se ser que se fechassem tribunais, executivos estaduais, legislativo e jornais, se prendesse, exilasse ou arrebentasse a quase totalidade das elites cultural e intelectual e boa parte das cúpulas política e jurídica. O antigolpismo uniria os democratas. A resistência tomaria muitas formas, dentro e fora do que restasse das instituições, no país e fora dele, nas redes e nas ruas.

Por fim, ainda que nada desse errado, haveria que governar. E esse, como está bem demonstrado, não é o forte de Bolsonaro.

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