Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Angela Alonso
Descrição de chapéu Caixa Econômica Federal

Assédios

Parte da sociedade não é mais conivente com machismo como estilo de exercício de cargo público

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A semana é do Boi-Bumbá, no Maranhão, mas o bicho que pegou em Brasília foi outro. Deu boto na linha. "Boto" de piscina, não de rio —embora carioca— em "dança de acasalamento", na síntese de um de seus alvos. Mas enquanto o boto mitológico enfeitiça as mulheres com seu charme, o do Planalto Central, desprovido de outros atributos, usa cargo público para saciar instintos animais.

O boto era presidente da Caixa Econômica Federal e assíduo nas famigeradas lives. Perfeito boto bolsominion, viciado em flexões e assédios. A reportagem do Metrópoles trouxe longa lista de seus acossos, morais e sexuais. Os relatos de funcionárias da Caixa vão de cantadas e insinuações a ameaças e apalpadelas. Ações não apenas grotescas, como criminosas.

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O ex-presidente da Caixa Econômica, Pedro Guimarães - Antonio Molina - 12.jan.22/Folhapress

Nelas se descortina a mesma predileção pelo linguajar chulo que o ex-deputado estadual Arthur do Val utilizou para relatar seu ataque de tara na Ucrânia. Baixo calão patente também no alto escalão, como no episódio em que o presidente acusou a repórter Patrícia Campos Mello de se prostituir por notícia.

Os três casos ganharam repercussão e punição. Mello venceu o processo judicial, do Val perdeu o mandato e a cabeça de Pedro Guimarães rodou mais rápido que o Boi-Bumbá. Este lado da moeda mostra que parte da sociedade brasileira não é mais conivente com o machismo como estilo de exercício de cargo público.

No entanto, o próprio fato desses três personagens terem chegado a posições de relevo mostra quão longe está o consenso acerca dos poderes masculinos sobre os corpos femininos. São figuras que expressam, a céu aberto, um princípio moral que o bolsonarismo compartilha com a parte conservadora da nação: a hierarquia de gênero.

Princípio naturalizado inclusive entre parte das mulheres. Daí o ataque de umas a outras em dois episódios de estupro. Uma influencer vilipendiou uma atriz por abortar e uma juíza coagiu uma menina a manter a gravidez. São também assédios.

Os casos puseram mulheres de mesmo status social, duas celebridades e duas juízas, em posições opostas no que tange à gestão do corpo feminino. Umas defenderam os direitos individuais da mulher, inscritos na lei, outras, os princípios morais que regem a família tradicional.

Ao condenar a sentença que permitiu à menina abortar, o presidente se amparou nas segundas. Mulheres como Carla Zambelli, Bia Kicis, Damares Alves e 29% do eleitorado feminino de renda alta –segundo o Datafolha de maio— professam esses valores.

Mesmo a esposa do presidente da Caixa, depois de tudo vir à baila, acompanhou o marido em cerimônia pública, na qual o ouviu louvar a família: "São 20 anos juntos, dois filhos, e uma vida inteira pautada pela ética". Se o comportamento do boto é ético, difícil saber o que não é.

Algumas senhoras decerto acham todos esses episódios de assédio umas bobaginhas, do contrário não estariam na campanha pela reeleição do presidente, nem aceitariam compor seu governo, como fez a nova presidente da Caixa.

Felizmente são minoritárias. Em todas as faixas de renda, a maioria das mulheres nem votou em Bolsonaro, nem pretende fazê-lo. 60% das que ganham até dois salários mínimos dizem que não o farão de jeito nenhum. São as que sabem que o bordão bolsonarista da moral e dos bons costumes é tão enganoso quanto lábia de boto.

Na lenda, o animal parte para novas aventuras, abandonando a moça grávida. No mito, como na vida, é para as mulheres que o ônus sobra.

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