Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Angela Alonso

Sem lei, nem ordem

Bolsonaro celebra as armas, mas nunca impôs a lei contra o crime na Amazônia

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"É um estado paralelo comandado por crime organizado". Crime múltiplo: tráfico de drogas e de armas, desmatamento e garimpo ilegais, atentados aos povos indígenas e da floresta. Parece denúncia de militante. Não é. Que o governo não consegue impor a lei na Amazônia é a constatação do presidente do senado federal.

O juízo veio a propósito dos desaparecimentos de Dom Phillips e Bruno Pereira, que consternam a parte civilizada do país. Os nomes dos mortos são novos, o fato é perene. Há uma violência política endêmica na área, da coação ao homicídio. Por ali correu sangue de muitos líderes de movimentos sociais, como Chico Mendes, e até de religiosos, caso de Dorothy Stang. A lista longa nunca acaba, periodicamente repovoada de crimes inexplicados ou impunes, que, em maioria, nem alcançam o noticiário nacional.

Policiais Federais chegam em Atalaia do Norte após dia de buscas no rio Itaquaí - Pedro Ladeira - 13.jun.22/Folhapress

Por envolver cidadão inglês, os novos casos lançaram enorme holofote sobre o Brasil. A ribalta é desabonadora. A reputação no exterior, que investidores tanto prezam, foi de vez para o ralo. O atual primeiro-ministro britânico e sua antecessora externaram preocupação. Já a alta comissária de Direitos Humanos da ONU dedicou ao Brasil uma dessas declarações corriqueiras sobre países não democráticos.

Michelle Bachelet se disse "alarmada por ameaças contra defensores dos direitos humanos e ambientais e contra indígenas", crimes de racismo e ataques à comunidade LGBTQIA+. Pediu garantias dos "direitos fundamentais" e "instituições independentes". Quem pede diz o que falta.

Bolsonaro se elegeu prometendo lei e ordem. Seria de se esperar que ao refrão retórico se acoplassem iniciativas de imposição do estado onde ele claudica. Mas, não. A retórica presidencial é só retórica mesmo.

Desde que pisou no Planalto, o presidente celebra as armas e fetichiza seu uso, mas nunca organizou uma ação estatal de imposição da lei contra o crime na Amazônia —nem em qualquer outra parte. A força bolsonarista estatal é cênica, com tiradas, desfiles de tanque e batidas de continência. O que o presidente fez de fato foi transferir para a sociedade a tarefa precípua do estado de zelar pela vida dos cidadãos.

Mesmo quando enche a boca para falar em soberania nacional na Amazônia, o presidente não se refere a uma operação coordenada de governo, pensa em ações corporativas, do "seu exército", ou em afiançar o cada um por si. A Amazônia, insistiu, é território "inóspito", no qual nem cogita adentrar para salvaguardar direitos. É um governo que abdicou de garantir a liberdade que vive proclamando.

Isso porque, como admitiu o presidente, governar não é seu forte: "Não tinha nada pra estar aqui. Nem levo jeito. Nasci pra ser militar." Se essa era a vocação, ela malogrou tempos atrás. Há 34 anos precisamente, quando ameaçou explodir um quartel. O então capitão deixou de sê-lo, embora o próprio e sequazes usem irrestritamente o título. Saiu do exército pela porta dos fundos.

Os militares de alta patente daqueles tempos de Redemocratização entenderam a vocação de Bolsonaro: a de destruidor da ordem, não de defensor dela. A vocação segue inalterada. O governo, no qual quer permanecer a todo transe, pode se orgulhar de destruições em todas as frentes, do meio ambiente ao trabalho, das instituições aos direitos. Não é, de fato, capaz de promover lei e ordem. Muito ao contrário. Todos os seus farrapos retóricos mal cobrem o corpo exposto de um desgoverno.

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