Angela Alonso

Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Angela Alonso

Violência racial

78,9% das vítimas de ações policiais em 2021 são como Genivaldo: negros

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Genivaldo de Jesus não gemeu "I can´t breath" porque não falava inglês, mas a sensação de asfixia deve ter sido semelhante à de George Floyd. Uma cena ecoa a outra. Regadas ambas a misto de sadismo e inconsequência. Nos dois casos, o empenho policial em subjugar até o último suspiro foi idêntico.

A insensibilidade ante o protesto de testemunhas, igual. Em Minneapolis como em Umbaúba, o registro dos celulares em nada intimidou os homens da lei, acastelados na prerrogativa de dispor da vida e impor a morte.

O presidente da República minimizou a execução sergipana na câmara de gás improvisada, como abrandou a responsabilidade policial na chacina carioca da semana anterior. Seu estribilho de louvação à força, em todos os âmbitos, contra instituições, como contra "bandidos", é repetido diuturnamente.

Ação da Polícia Rodoviária Federal em Sergipe provoca a morte de Genivaldo de Jesus Santos
Ação de agentes da Polícia Rodoviária Federal em Sergipe resulta em morte de Genivaldo de Jesus Santos - Reprodução

O que sai desse celeiro do retrocesso nacional já não espanta. Mas o refrão "lei e ordem" extrapola o cercadinho presidencial. Ninguém se esquecerá do "tiro na cabecinha" de um ex-governador. Seu colega paulista recém-empossado perfilou-se, louvando o policial que matou um homem durante assalto: "Esses são os heróis de verdade de São Paulo. O importante é que você reagiu certo, fez o certo e está tudo bem".

Não está tudo bem. A grande imprensa negligenciou este morto. O foco foi a segurança da família de classe alta, a bravura do policial e a carona política do governador. A vida perdida interessa apenas ao noticiário sensacionalista, que instila medo e violência em relação aos "meliantes".

No estado de direito, à polícia cabe zelar pelo bem-estar coletivo. Mas entre princípio e fato há uma vala lotada de corpos. Humilhação, tortura e extermínio não rimam com democracia, mas são o bordado cotidiano da vida da gente pobre e, sobretudo, negra.

Os corpos de 78,9% das vítimas das intervenções policiais no ano passado no país são como o de Genivaldo: negros. Quem contou foi o Fórum Brasileiro de Segurança, que também atesta 2,6 vezes mais chances de um negro ser assassinado do que o resto da população. Das crianças até 9 anos mortas à bala no ano passado, 63% eram negras.

Há duas dimensões em episódios como o que matou Genivaldo. Uma é a licença expressa ou indireta de autoridades políticas ao uso da força letal pela polícia. Outra é a hierarquia racial que esta violência preserva.

São apartadas nos discursos, não na prática. Quando políticos pronunciam "bandido bom é bandido morto", não dizem a cor do bandido. Nem precisa. O estereótipo do marginal negro povoa o imaginário brasileiro, orienta a ação policial e se materializa nas estatísticas.

Trata-se de ação difusa, mas direcional, de dois passos consecutivos. Um é a disseminação da crença de que a ordem social depende da eliminação dos que transgridam suas regras. Outro é a identificação dos transgressores com uma etnia. O debate público nacional não usa o nome, mas trata-se de violência racial.

Políticas de ações afirmativas de universidades, editoras, instituições artísticas, mídias e de algumas empresas vem produzindo uma elite cultural negra. Pequena, mas suficiente para que a ala bem-intencionada dos mais ricos e brancos durma em paz.

Nos Estados Unidos, o assassinato de Floyd insuflou o Black Lives Matter, o maior movimento de rua em defesa dos negros desde a campanha pelos direitos civis. Aqui nada similar se formou. Os protestos são pequenos e, como o deste artigo, apenas ecoam entre os que já compartilham a mesma indignação.

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