Anna Virginia Balloussier

Repórter especial, escreve sobre religião, política, eleições e direitos humanos. Está na Folha desde 2010.

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Extremistas da fé não passarão, se Deus quiser

Que Deus é esse que pediria o potencial sacrifício de uma garotinha para que continue a evoluir seu feto de cinco meses?

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Com dez anos, fiquei muito triste. O menino de quem gostava, ao me ver dançar É O Tchan, fez troça da magrelinha que eu era. É esse tipo de trauma que deveria marcar uma criança.

Aos dez anos, uma menina capixaba "com cara de bebê ainda", como notaram enfermeiros, se agarrou a uma girafa de pelúcia enquanto interrompia uma gravidez. Era seu desejo e o da família. O companheiro de uma tia a estuprava desde seus seis anos, e ela, criada por avós, vendedores de coco, órfã de mãe e com o pai preso, engravidou por fim.

Ativistas protestam diante de hospital em Recife onde criança de 10 anos estuprada passou por procedimento legal de aborto - Fotoarena

Ativistas "cristãos" (Cristo certamente aprovaria as aspas aqui) formaram um paredão na porta do hospital no Recife para chamar os médicos de assassinos. O aborto, neste caso, é previsto por lei.

Tentemos um exercício de empatia, palavra que não passou pela cabeça desses religiosos de araque. Para muitos, abortar equivale a assassinar. Há hipóteses, mas não consenso científico e tampouco metafísico, sobre quando uma vida começa.

Para tantos religiosos, há a certeza de que é na barriga. Abortar um feto e matar uma criança já nascida, portanto, daria na mesma. Você aceitaria aniquilar um bebê de um ano para salvar sua mãe?

O grupo pernambucano não tem o direito de se valer desse dilema. Nem a mente nem o corpo de uma criança estão aptos a uma gestação. São mais altas as taxas de eclâmpsia (convulsões), por exemplo. O risco de morte se multiplica.

Que Deus é esse que pediria o potencial sacrifício de uma garotinha para que continue a evoluir seu feto de cinco meses?

O Atlas da Violência de 2019 aponta que 68% das vítimas de estupros registrados no SUS são menores de idade. Já bastaria entrar nessa estatística para a história da capixaba ser uma tragédia.

Na alardeada intenção de salvar duas vidas, os arautos da fé tentaram destruir uma. Não passarão. Deus é mais.

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