Antonia Pellegrino e Manoela Miklos

Antonia é escritora e roteirista. Manoela é assistente especial do Programa para a América Latina da Open Society Foundations. Feministas, editam o blog #AgoraÉQueSãoElas.

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Antonia Pellegrino e Manoela Miklos
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O direto à mediocridade

Mulheres devem falar, errar, e em seguida corrigir os erros, como os homens

O feminismo está na moda. O esvaziamento do seu potencial transformador é um perigo, mas seria uma bobagem não aproveitar o momento para transcender as bolhas e falar com o maior número de pessoas que conseguirmos. 

É o que costuma dizer Jéssica Albiach Satorres, 38, política, jornalista e fotógrafa catalã nascida em Valência. 

Atualmente, Jéssica, que é parte do tão debatido Podemos, é deputada. 

Tem assento no Parlamento da Catalunha e é um dos rostos da renovação política que nos faz seguir com fé no futuro apesar do presente.

Numa recente e impactante fala durante o encontro da Latin American Studies (LASA) em Barcelona —num debate promovido pelas organizações Asuntos del Sur e Democracia Abierta— Albiach comoveu a plateia ao falar de um tema triste: lideranças políticas femininas e a superação de subrepresentatividade são ainda consideradas uma inovação. 

Uma prática emergente que que necessita ajuda para tornar-se sistêmica. E que encontra obstáculos formais e informais. Materiais e imateriais.

 

Os obstáculos formais, materiais, estão sendo lentamente dissolvidos. 

Falta muito. Mas há avanços. A cota para mulheres é exemplo desse tipo de incremento ao processo de disputa democrática que tenta romper o status quo da ausência de mulheres nos espaços de poder. 

O acesso ao fundo partidário e a garantia de tempo de TV, aprovada pelo Superior Tribunal Eleitoral alguns dias atrás é igualmente bem-vinda e precisa ser celebrada. 

Na semana passada, o TSE decidiu por unanimidade que a distribuição dos fundos eleitorais, bem como a propaganda gratuita no rádio e na TV, deverá obedecer à proporção de candidatos homens e mulheres. Esses são exemplos de medidas cujo objetivo é a suplantação dos obstáculos formais à participação das mulheres na política. 

Mas e aqueles obstáculos invisíveis que moram dentro e fora de nós, mulheres, e nos mantém em silêncio?

À ocasião do debate da LASA, Albiach dedicou os minutos que lhe couberam para tratar o que considera o conjunto de empecilhos informais para a participação das mulheres e outras populações vulneráveis na política. Um debate interessantíssimo e urgente. 

Albiach nos lembrou das tantas dificuldades que enfrentamos para ocuparmos um lugar de poder em iguais condições com nossos pares homens. Ressaltou que se fazer ouvir em ambientes exclusivamente masculinos é uma luta inglória. 

Acostumada à misoginia da casa legislativa, a parlamentar dividiu com mulheres e homens presentes o sofrimento que enfrenta diariamente: é constantemente interrompida, precisa escutar exaustivamente os colegas e lutar com unhas e dentes por um pouco da atenção deles, é levada pela pouca disposição dos colegas em escutá-la a duvidar de tudo que diz. 

O machismo do mundo ao seu redor vai semeando uma dolorida autocensura que desestimula a participação em qualquer debate. Somos silenciadas pelos obstáculos formais que limitam nosso desempenho na política. Somos silenciadas também pelos obstáculos informais que limitam nosso empenho em qualquer diálogo com quem não acredita em nosso direito de estar onde estamos.

Existem, enfim, incentivos imateriais que são determinantes para que mulheres sintam-se à vontade para dar seu melhor. Geralmente não prestamos atenção nas operações de natureza informal que impedem o acesso e o sucesso de mulheres que querem estar na política. Operações sutis, pouco evidentes —contudo perversas e capazes de causar estrago indizível. Homens se sentem confortáveis para dizer o que pensam em todos os lugares, a todo o tempo. Erram. Acertam. Melhoram. Testam suas ideias e, com isso, as aperfeiçoam. Se qualificam. Ao final, erram menos. Mulheres, ao contrário, têm medo de falar e errar. 

Fazer jus à pouca atenção que recebe e às críticas que escuta por ser quem é e estar onde está. Cobramos de nós mesmas a perfeição. Ou é melhor nem dizer nada. 

Camadas de vulnerabilidade somam-se e mulheres negras, indígenas, de classes baixas são ainda menos respeitadas ao emitir suas opiniões e as emitem com maior agrura. Albiach chama isso de direito à mediocridade. 

Temos que ter direito de errar. De falar, nos equivocarmos para, em seguida, corrigir nossos erros e aprender com eles.

Temos que ter direito de aprender. Ou não conseguiremos lutar pelos nosso outros direitos.

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