Antonia Pellegrino e Manoela Miklos

Antonia é escritora e roteirista. Manoela é assistente especial do Programa para a América Latina da Open Society Foundations. Feministas, editam o blog #AgoraÉQueSãoElas.

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Antonia Pellegrino e Manoela Miklos

Nós nos queremos vivas

Ameaças a defensora da descriminalização do aborto devem preocupar a todos

A vereadora Marielle Franco, morta no Rio em março de 2018
A vereadora Marielle Franco, morta no Rio em março de 2018 - Renan Olaz/Câmara do Rio

Recentemente, celebramos aqui a vitória das mulheres argentinas na luta por direitos reprodutivos. Comemoramos a onda verde, cor dos lenços que as argentinas elegeram para simbolizar a luta pela vida das mulheres. E lembramos neste espaço que o STF em breve, nos dias 3 e 6 de agosto, realizará audiências públicas sobre a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 442), ajuizada pelo PSOL com consultoria do Anis - Instituto de Bioética.

A ação argumenta pela inconstitucionalidade da aplicação dos artigos 124 e 126 do Código Penal para casos de aborto até a 12ª semana de gestação, ressaltando que a criminalização dessa prática viola o direito constitucional das mulheres à dignidade. Precisamos estar de olho nisso, dissemos. 

Estamos. Mas as novas não são boas, infelizmente. Antropóloga, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), fundadora do Anis e referência absoluta no tema dos direitos reprodutivos no Brasil e no mundo, Débora Diniz tem sido alvo de gravíssimas ameaças desde que foi convocada pela ministra Rosa Weber para debater a ADPF no Supremo.

Em abril, Diniz e outros 40 expositores foram convidados para ajudar nossa corte a tomar a melhor decisão, representando as muitas dimensões desse assunto delicado. Há nomes que defendem e que se opõem à ADPF, como é de praxe neste processo de escuta democrática. Desde o anúncio de sua presença nesta ocasião, Diniz começou a receber ameaças cada vez mais violentas em razão de sua postura pela descriminalização do aborto. Na última quarta-feira (18), a antropóloga foi abordada pessoalmente na saída de um evento, acuada e ameaçada. 

Os ataques começaram em abril, se intensificaram e, em julho, Diniz formalizou queixa numa Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam). Duas semanas atrás, a antropóloga tinha sido incluída pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do governo federal. A gravidade das ameaças, porém, escalou na semana passada e ela teve de deixar o Distrito Federal para se proteger. 

 

Organizações nacionais e internacionais se pronunciaram e manifestaram repúdio ao discurso de ódio direcionado a Débora Diniz. A Organização das Nações Unidas (ONU), em nota, lembrou que trata-se de uma ativista de longa data pela saúde pública e universal, internacionalmente reconhecida por seu trabalho e ativismo em questões relacionadas à saúde e direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.

Pontuou, ainda, que tais ameaças se dão num contexto alarmante de crescente número de assassinatos de defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil. Fazemos eco com as preocupações da ONU sobre nosso país e repetimos, desta vez com temor, o que dissemos antes: precisamos estar de olho nisso. 

Temos medo. Por Débora Diniz. Por nossas companheiras. Por nós mesmas. Temos medo porque a dor de perder nossa amiga Marielle ainda está conosco. Os dias passam e esse caso segue sem solução. E o Brasil, a cada dia sem Marielle e Anderson e sem respostas, confirma a percepção aterrorizante de que é um país onde matar defensoras e defensores de direitos humanos é uma maneira eficaz e sem custos de silenciar suas demandas. 

Não queremos perder mais amigas. Não queremos perder mais companheiras. Fica aqui o pedido para que as autoridades competentes investiguem adequadamente e punam os responsáveis pela morte de Marielle e de todas e todos que morreram defendendo os direitos de todas e todos. Que protejam Diniz e as defensoras e defensores de direitos humanos que ainda resistem. E que concedam o direito de decidir às brasileiras. Nós nos queremos vivas.

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