Antonia Pellegrino e Manoela Miklos

Antonia é escritora e roteirista. Manoela é assistente especial do Programa para a América Latina da Open Society Foundations. Feministas, editam o blog #AgoraÉQueSãoElas.

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Antonia Pellegrino e Manoela Miklos

O backlash chegou

Em tempos de ameaças aos nossos direitos, cabe às mulheres resistir

Em 1991, a premiadíssima escritora americana Susan Faludi publicou o icônico "Backlash". A obra tinha como subtítulo, numa tradução livre, "A guerra não-declarada às mulheres americanas". O tema era a reação que se deu na década de 1980 às conquistas feministas das duas década anteriores. Nas suas 550 páginas, a autora examinou cuidadosamente as falsas premissas do imaginário antifeminista da direita conservadora que chegou ao poder nos EUA presidido por Ronald Reagan.

Ao fim, a autora concluiu magistralmente: o backlash é uma tendência histórica que se verifica quando há avanços nas agendas de direitos e consiste num efeito rebote. Aqueles cujos privilégios estavam garantidos sob a velha norma sempre irão, agonizantes, tentar se reorganizar e partir violentamente para o contra-ataque com o objetivo de restaurar a ordem que lhes convinha. Cabe aos movimentos por direitos, liberdade e igualdade defender seus êxitos para que o efeito rebote não seja feliz na sua ânsia por retrocesso.

Independentemente do resultado das eleições, o movimento de mulheres precisa estar preparado. Há um backlash, ele está em curso. Evidentemente, uma eventual vitória do candidato Jair Bolsonaro, do PSL, representa maior perigo aos direitos das mulheres. Mas o discurso conservador, machista e autoritário que o candidato articulou reiteradas vezes está por toda parte. Já brotava na internet faz tempo. Agora transbordou das redes sociais e ganhou as ruas.

As mesmas meninas que tomaram destemidas os espaços públicos em 2015 e construíram a primavera feminista brasileira, assistida e aplaudida no mundo, hoje temem dizer o que pensam sobre a realidade política nacional. Têm medo de andar na rua com símbolos que exponham suas opiniões. O candidato do PSL é o que Faludi chama de "emissário do backlash: aquele que se destaca no debate público e corporifica o efeito rebote. Mas o efeito rebote nunca se restringe a um ou outro emissário. Trata-se de um fato social, uma realidade que é resultado de complexas imbricações. Desmontá-lo demanda estratégias igualmente sofisticadas.

A caixa de Pandora foi aberta. Todos os dias, surgem relatos que confirmam que estamos diante de um backlash. O movimento de mulheres tem convivido com um amplo espectro de reações cada vez mais brutais aos avanços dos últimos anos. As experiências relatadas vão de ameaças virtuais a atos de violência abomináveis. O que as mulheres devem fazer diante desse contexto? Resistir. Desenhar estratégias inteligentes, cuidar de si, cuidar umas das outras e, com muito brio, resistir.

Devemos ser criativas no enfrentamento dos emissários do backlash. Sempre. Mas não podemos esquecer jamais que eles são apenas a pontinha do iceberg. Os emissários existem porque o efeito rebote existe. É este o verdadeiro inimigo: a involução. Um processo labiríntico levado a cabo por muitos (e, infelizmente, também por algumas) cuja finalidade é o depauperamento do novo normal que estamos construindo.

Com ou sem Bolsonaro no Planalto, temos Parlamentos recheados de retrógrados, as redes sociais fervem com discursos raivosos contra ativistas pelos direitos das mulheres, humoristas se esforçam para reabilitar piadas sexistas. Muita gente quer que a gente volte a se contentar com pouco. Teremos que disputar os ouvidos da parcela significativa do país que hoje se mostra suscetível ao que dizem os emissários do backlash. E mostrar que a involução não interessa a ninguém. Quando as mulheres têm seus direitos assegurados, a sociedade tem seu futuro assegurado.

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