Antonia Pellegrino e Manoela Miklos

Antonia é escritora e roteirista. Manoela é assistente especial do Programa para a América Latina da Open Society Foundations. Feministas, editam o blog #AgoraÉQueSãoElas.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Antonia Pellegrino e Manoela Miklos

Utopia dos 99%

É necessário que o feminismo liberal seja superado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Na semana em que o Brasil chorou os mortos de Suzano e a Nova Zelândia foi vítima de uma chacina em cujos fuzis estavam cravados os nomes de neonazistas e extremistas brancos que atacaram e mataram imigrantes e militantes de extrema esquerda, foi lançado no Brasil, pela editora Boitempo, o livro “Feminismo para os 99%: um manifesto”, de Nancy Frazer, Tithi Bhattacharya, Cinthia Arruzza.

Antes de executar 50 frequentadores de uma mesquita em Christchurch, Brenton Tarrant, um dos atiradores, publicou nas redes sociais um manifesto, antípoda àquele escrito pelas três autoras. 

O assassino evoca a sua condição de branco, emite frases preconceituosas contra muçulmanos e afirma que seu objetivo seria “criar uma atmosfera de medo” e “incitar a violência” contra imigrantes”.

No texto, ele manda um recado para marxistas, antifascistas e comunistas: “eu não quero convertê-los, eu não quero me entender com vocês. Aqueles que acreditam em igualdade e aqueles que acreditam em hierarquia nunca vão se entender”, afirma. “Eu quero vocês na minha mira.”

Desconstruir o velho normal no qual homens brancos ocupam o topo da pirâmide social é um dos desejos mais imperiosos dos feminismos. Não para rebaixar os homens, mas para refundar relações sociais e de produção. 

Para que uma elite de 1% da população não oprima os 99% do planeta é preciso abolir hierarquias. E é isso que “Feminismo dos 99%” propõe. Com prefácio da deputada federal Talíria Petrone (PSOL), o livro é um passo definitivo para que o feminismo deixe de ser lido (ou exercido) como costumes, comportamento ou política identitária, e passe a ser encarado em sua real radicalidade: “uma nova fase na luta de classes”, na palavra das autoras.

Para tanto, é necessário que o feminismo liberal seja superado. O feminismo liberal é aquele em que uma mulher almeja ter uma chefe mulher “que decide quando um drone bombardeia a sua casa”. 

O feminismo liberal é reformista, não questiona as relações de produção e está centrado nas liberdades individuais e igualdades formais, como a salarial. Busca a eliminação da desigualdade de gênero através de caminhos acessíveis apenas às mulheres da elite. Suas figuras icônica são Hillary Clinton e a presidenta do Facebook, Sheryl Sandberg. 

Para as autoras, o feminismo liberal se tornou hegemônico nas últimas décadas, devido ao reduzido nível de lutas e mobilizações no mundo. No entanto, a marca da atual onda feminista é a conexão em rede, a comunicação democratizada e a internacionalização das lutas. Desde 2011, primaveras viralizam e hashtags engajam mulheres de múltiplas nacionalidades na mesma narrativa. E, a partir de 2017, o 8 de março começa a se tornar um ato articulado transnacionalmente. 

O feminismo dos 99% é fruto dessas marchas “pela rebelião e luta contra a aliança entre o patriarcado e o capitalismo que quer que sejamos obedientes, submissas e quietas”, diz o manifesto. 

O feminismo dos 99% é “uma alternativa ao feminismo liberal, já que é abertamente anticapitalista e antirracista: não separa a igualdade formal e a emancipação da necessidade de transformar a sociedade e as relações sociais na sua totalidade, da necessidade de superar a exploração do trabalho, o saque da natureza, o racismo, a guerra e o imperialismo”, disse Arruzza em entrevista, pautando inexoravelmente que feminismo é revolução em um mundo onde as utopias parecem ter sido varridas, e a antipolítica do ódio e da eliminação da divergência só aumenta. E viva a igualdade.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.