A artista plástica e cineasta carioca Mariana Kaufman desenvolve desde 2016 seu projeto “Meu Vértice”.
Trata-se de uma série em construção de fotografias que tratam da urgência da mulher contemporânea de retratar, inventar, imaginar e construir seu próprio corpo.
É um manifesto pictórico que convoca mulheres a recuperarem o mando de seu corpo, que nos é interditado tantas vezes, e fazer com ele o que desejar.
Na série de fotografias, vemos partes do corpo de Mariana, sempre vestida, que remete à imagem do triângulo. Com isso, Kaufman faz alusão, jamais de maneira óbvia ou vulgar, ao sexo feminino.
A artista tem usado como plataforma para o projeto a rede social Instagram. E é essa dimensão do caso que nos interessa neste momento. Kaufman foi reiteradas vezes punida pela rede por desrespeitar as chamadas “diretrizes da comunidade” do Instagram. Teve fotos tiradas do ar e seu perfil foi bloqueado em diversos momentos desde o início do “Meu Vértice”.
Infelizmente, não se trata de um caso isolado. Há dois meses, o Instagram tirou do ar a conta da Carol Teixeira porque a escritora publicou reflexões a respeito do amor tântrico.
A campanha “Free Niples”, que conquistou adeptas em todo o mundo e pretende escancarar o fato de as mulheres terem seus corpos defesos, foi criada exatamente para questionar a seletividade perversa dos que desenham e implementam a diretrizes da comunidade do Instagram.
Nas últimas semanas, o Brasil se viu mergulhado no caso Najila-Neymar. Versões conflitantes, cenas e mensagens perturbadoras e infinitos comentários infelizes circulam nas redes e ocuparam as manchetes.
As feministas se veem desafiadas diante do fato de uma advogada com longa trajetória na defesa dos direitos das mulheres aceitar defender o jogador. A cada dia, novas peças desse quebra-cabeças trágico aparecem. Não queremos fazer afirmações açodadas. Ainda é cedo para tirar conclusões sobre quase tudo que envolve essa história.
Mas uma coisa está claríssima e precisa ser trazida à luz: no Instagram, nem toda nudez será castigada.
Neymar publicou em seu perfil no Instagram na noite do dia 1º de junho imagens de Najila nua e mensagens de conteúdo evidentemente íntimo. Tudo sem consentimento dela.
O Código Penal prevê que é crime “oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio (...) fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia”. A pena prevista é de 1 a 5 anos de prisão.
O ato de Neymar parece se enquadrar nesse tipo penal e o jogador já depôs no Rio sobre a suspeita de crime virtual. Notem: o Instagram tirou o conteúdo publicado por Neymar do ar apenas na noite do dia 3 de junho.
Neymar tem quase 120 milhões de seguidores nessa rede social. Para comparação, o jornal New York Times tem 6 milhões de seguidores.
Pouco antes de ser retirado do ar, o vídeo publicados pelo jogador já tinha sido visto 20 milhões de vezes. Mariana Kaufman tem aproximadamente 1.700 seguidores.
Suas fotos, sem qualquer dolo, foram prontamente retiradas do ar e seu perfil foi suspenso muitas vezes.
Neymar, esse canhão de audiência, expôs uma mulher ao pior dos escrutínios para milhões de pessoas sem permissão, teve o material retirado do ar com uma morosidade notável e seu perfil não sofreu sanção alguma. É ultrajante, embora não seja surpreendente.
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