As propostas de reforma tributária são de boa qualidade: a PEC 45/19 --Rossi-Appy--, na Câmara, e a PEC 110/19 --Hauly--, no Senado, além de uma proposta (sem padrinho) do Ipea, um IVA-Dual, inspirado na reforma canadense, que, na nossa opinião, é a melhor solução para eliminar a contribuição (dita empresarial!) para a Previdência Social como quer o governo. Ele ainda não apresentou a sua, mas parece flertar com a alternativa de poluir o novo sistema com uma CPMF permanente, que, estranhamente, colide com a racionalidade econômica que tanto defende! De fato, é o que menos se esperaria de um economista que, no dizer de K. J. Arrow --o maior deles na segunda metade do século 20--, "é treinado para pensar-se como o guardião da racionalidade; como aquele que ensina racionalidade aos outros e prescreve racionalidade à sociedade" ("The Limits of Organization", 1974).
O imposto é o preço que temos que pagar para viver numa sociedade civilizada. Frequentemente, entretanto, ele não é pago por quem o "recolhe", mas sobre quem "incide", geralmente o consumidor final. O ministro Guedes está preocupado com quem efetivamente paga (com a redução de seu consumo), a carga tributária sobre os salários e seu possível efeito sobre o emprego. As condições estruturais do mercado de trabalho determinam o salário efetivamente recebido e o nível de emprego da mão de obra. Uma análise superficial sugere que, num mercado competitivo (na ausência de inflação), tais efeitos (sobre quem incide a contribuição) dependem: 1º) do nível da contribuição e 2º) das elasticidades da demanda e da oferta de trabalho.
Por outro lado, estudos sofisticados e atentos às condições dos variados mercados de trabalho sugerem que a eliminação daquela carga tem efeito importante sobre o salário efetivamente pago, mas, em geral, é pouco significante sobre o nível de emprego (Gruber, J., "The incidence of payroll taxation: evidence from Chile", Journal of Labor Economics, 13(3, pt.2), 1977).
Talvez a melhor solução (que não altera preços relativos) seja transferir uma parte da tributação sobre os salários para o IVA-Dual federal, tornando o financiamento da previdência realmente "universal", e financiar as demais cargas sobre o salário, reformulando a tributação sobre a renda das empresas. O trabalhador o pagaria com o IVA sobre seu consumo, como todos os outros cidadãos. A resposta à crítica de que a alíquota seria alta é que ela já é paga, mas de forma ineficiente. É aqui que cabe ao economista "prescrever racionalidade à sociedade", como queria o grande Arrow!
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