Antonio Delfim Netto

Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.

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Mais uma lambança no Congresso

Com meses de atraso a Casa aprovou o Orçamento, uma agressão à sociedade

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Com meses de atraso, o Congresso aprovou o Orçamento de 2021.

As expectativas eram que um caminho seria traçado para os gastos públicos deste ano dentro do arcabouço fiscal brasileiro vigente e, ao mesmo tempo, que os representantes do povo não se furtariam em fazer escolhas para assegurar os recursos necessários para os problemas mais prementes da sociedade hoje: saúde e renda.

A realidade, entretanto, foi um verdadeiro descaso, uma agressão à sociedade brasileira, que sofre há mais de um ano com as consequências da pandemia. A um Orçamento que já nasceu subestimado em cerca de R$ 17 bilhões, os congressistas acharam por bem, para garantir um estrago digno de nota, acrescentar mais R$ 27 bilhões às emendas parlamentares, para um total recorde de R$ 49 bilhões (para comparação, a dotação anual do Bolsa Família é de R$ 35 bilhões).

A cereja do bolo foi a "criatividade" audaz de cancelar montantes das despesas obrigatórias, como da Previdência, para acomodar tais desejos "dentro do teto de gastos", como se isso fizesse desparecer a realidade. Como não faz, e como a magnitude do contingenciamento necessário sobre as diminutas despesas discricionárias é impraticável, o desfecho é óbvio.

Trata-se de uma tentativa, pouco sutil, diga-se, de romper com o arcabouço fiscal estabelecido no governo Temer para lidar com as consequências do rompimento, pelo governo Dilma, do arcabouço fiscal anterior, o que produziu a maior recessão de nossa história em 2015/16.

Tentamos contornar a desinibição em descumprir-se as regras fiscais inscrevendo-as na Constituição, mas nenhum sistema parece robusto à criatividade de Brasília, o que talvez diga muito sobre o valor que, como sociedade, damos ao equilíbrio fiscal...

Tão grave quanto são as explicações de que tudo teria sido feito em parceria com parte do governo na busca de mais recursos para suas obras, à revelia das normas constitucionais. Não é a primeira vez, e aparentemente não será a última, que o Planalto incentiva a disfuncionalidade que impera dentro do Executivo e de sua relação com o Legislativo, acendendo o fósforo dentro do tanque de gasolina para aferir o nível do combustível. Discordâncias dentro do governo são absolutamente normais, mas costumam ser arbitradas pelo presidente.

A lambança ficou órfã, mas o expediente de deixar que se concretize oficialmente para medir a reação e depois recuar tem custo reputacional e deixa cicatrizes. Em tempo real, pode ser medido em prêmio de risco, elevação dos juros e desvalorização cambial. É assombroso que isso ainda não tenha sido percebido.

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