Antonio Nucifora

Economista-chefe do Banco Mundial para o Brasil, já trabalhou para a instituição na Europa, na África e no Oriente Médio.

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Antonio Nucifora

O governo deveria estabilizar os preços dos combustíveis?

Governos relutam em repassar aos consumidores as alterações dos preços internacionais

Subsidiar os preços dos combustíveis fósseis é uma das piores políticas que um governo pode adotar. Incentiva o consumo ineficiente de combustível, os custos orçamentários são muito altos e quem recebe os benefícios são sobretudo os ricos (Banco Mundial, 2012, 2017). De fato, economistas de todos os horizontes políticos foram quase unânimes em criticar as medidas anunciadas pelo governo na semana passada, claramente ditadas pela pressão política. Além das soluções de curto prazo, contudo, a recente crise suscita a pergunta: o governo deveria pelo menos tentar estabilizar os preços dos combustíveis?

O maior debate foi sobre se a Petrobras deveria fixar os preços domésticos do combustível com base em seu próprio custo marginal, ao invés do preço do combustível no mercado internacional (o “preço de paridade de importação”). A orientação da teoria econômica aqui é simples: assumindo que o mercado doméstico de combustíveis não é um monopólio natural, a fixação dos preços domésticos em linha com o preço de importação é a solução eficiente.

A segunda questão em debate é se o governo deve permitir a transferência das variações de preços internacionais para os preços domésticos, o que significa que a volatilidade dos preços internacionais será refletida diretamente na volatilidade dos preços dos combustíveis no mercado interno. Aqui existem várias considerações. O repasse integral dos preços internacionais ao mercado doméstico no médio prazo é necessário para evitar custos orçamentários e incentivar padrões eficientes de consumo de combustível. No entanto, por razões políticas e sociais, os governos costumam relutar em repassar imediatamente aos consumidores as grandes alterações dos preços internacionais. Isso é muitas vezes reforçado pela crença de que esses grandes aumentos podem acabar sendo transitórios. Portanto, alguns países adotaram mecanismos de suavização de preços que adiam o repasse integral tanto dos fortes aumentos quanto das grandes reduções. 

A ideia de cobrar mais caro quando os preços internacionais dos combustíveis estão baixos e usar o que se poupa para subsidiar os preços internos quando os preços internacionais estão altos tem um apelo intuitivo. Sugere a possibilidade de o governo moderar a volatilidade dos preços internacionais com pouco ou nenhum custo orçamentário. Chile, Colômbia, Peru, Tailândia e Vietnã contam com fundos de petróleo que têm sido usados para suavizar a volatilidade dos preços internacionais.

A premissa desse esquema é de ser autofinanciado, e repousa criticamente no retorno dos preços do petróleo a uma média de maneira bastante regular. Dessa forma, as sub-recuperações seriam frequentemente seguidas por sobrerrecuperações. Na prática, há cerca de 15 anos os preços do petróleo não seguem um padrão de flutuações em torno de uma média, obrigando os governos que têm fundos de estabilização de preços a transferir-lhes bilhões de dólares (Bacon e Kojima 2008). A experiência internacional mostra que os custos da estabilização por meio de um fundo são muito superiores a seus benefícios, e os países que os adotam abandonam cada vez mais esta opção. Peru e Chile são exemplos na América Latina (Kojima 2016).

Uma abordagem melhor seria suavizar o movimento dos preços dos combustíveis sem tentar estabilizá-los. Mecanismos de faixa de preços e de média móvel são duas abordagens possíveis (Coady et al., 2012). O mecanismo de faixa de preços (FP) estabelece um limite máximo para as modificações dos preços de varejo em um dado período (p.ex., cada mês). De modo similar, os mecanismos de média móvel (MA) baseiam os ajustes do preço de varejo em mudanças na média dos custos passados de importação (digamos, a média dos custos de importação dos últimos três meses). Em ambos os casos, as diferenças são absorvidas por meio da variação da alíquota de impostos sobre os combustíveis. Assim, se os preços internacionais sofrerem aumentos constantes e relativamente grandes, esses mecanismos podem resultar em contínuo declínio nos tributos. Nesse caso, é possível introduzir “regras de ajuste tributário” adicionais para proteger o tamanho da redução dos impostos, embora isto limite o alcance da estabilização de preços. A escolha apropriada do mecanismo de suavização depende de como o governo encara a compensação entre volatilidade dos preços dos combustíveis, de um lado, e receitas fiscais, de outro.

Alguns anos atrás, o governo chileno recorreu a um imposto específico sobre os combustíveis para reduzir a volatilidade de preços. O esquema tributário ​MEPCO (Mecanismo de Estabilização de Preços dos Combustíveis) suaviza os preços dos combustíveis automotivos (gasolina, diesel, GLP e gás natural) para pequenos e médios usuários.  Os ajustes são feitos uma vez por semana, de acordo com uma fórmula, que é aplicada estritamente a cada combustível. Há um limite ao déficit que pode ser decorrente de semanas sucessivas de ajuste negativo, e a fórmula para a definição do preço foi elaborada para limitar o déficit.

Outra abordagem seria utilizar um mecanismo baseado no uso de instrumentos de hedging financeiro para mitigar o impacto da volatilidade do preço do petróleo utilizando seus produtos derivados, como também sugerido recentemente por Nelson Barbosa. Esses instrumentos funcionam como uma apólice de seguro simples (contra incêndio por exemplo): paga-se um prêmio para cobrir um risco, e o valor do seguro é recebido se esse risco se concretizar. Como em qualquer outro seguro, os prêmios aumentam proporcionalmente à probabilidade do acontecimento. Um estudo do BID de 2012 apresenta simulações para o caso concreto do Peru, e calcula que os custos (prêmios) seriam aproximadamente 3,8% do consumo anual de combustíveis ou 0,16% do PIB daquele país. (Essa mesma proporção no Brasil já significaria um valor inferior ao custo das medidas anunciadas na semana passada.)

A experiência internacional é clara. Os esquemas de suavização de preços raramente, ou nunca, são autofinanciados. Acabam transferindo aos ricos verbas orçamentárias escassas. Além disso, para um país em dificuldades fiscais, e partindo da premissa que raramente qualquer mecanismo de estabilização é autofinanciado, quaisquer subsídios devem ser percebidos como deterioração fiscal e a taxa de câmbio deve depreciar (mais do que em outros países emergentes), tornando o caro petróleo ainda mais caro. No entanto, a volatilidade de preço também pode resultar em custos sociais e econômicos significativos, como visto na semana passada. Os governos podem decidir que o custo orçamentário é justificado pelos ganhos políticos decorrentes da redução da volatilidade de preços. Mas é necessário que o debate público seja informado, para que as implicações de longo prazo das opções de política econômica para o preço do combustível sejam conhecidas por todos e orientem escolhas futuras. Espero que os candidatos abordem esta questão durante os debates eleitorais.

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