Antonio Nucifora

Economista-chefe do Banco Mundial para o Brasil, já trabalhou para a instituição na Europa, na África e no Oriente Médio.

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Antonio Nucifora

Regulação de preços em transporte rodoviário: um gol contra do Brasil

Tendência mundial é pelo abandono de interferência em preços no transporte rodoviário

No meio da Copa do Mundo de futebol o Congresso está prestes a fazer um gol contra, ao introduzir a tabela de preços do transporte de frete. Os preceitos econômicos e a experiência internacional são claros: não é aconselhável a utilização de mecanismos de controle de preços como instrumento regulatório em mercados aptos a soluções competitivas, como é o caso do setor de transporte rodoviário de carga no Brasil.

A princípio, a regulação de preços finais só deve ser introduzida quando falhas de mercado impeçam a ocorrência de resultados competitivos autônomos. Na ausência dessas falhas de mercado, o uso do mecanismo de controle de preços pode trazer vários efeitos deletérios para a economia, como colusão, aumento da informalidade, alocação ineficiente de recursos e excesso de oferta.

De fato, no âmbito internacional o controle de preços de frete não é apenas uma prática extremamente rara, como a tendência é pelo abandono completo de qualquer tipo de interferência em preços no setor de transporte rodoviário de carga. Quase nenhum país regula preços do setor e poucos têm algum mecanismo não vinculante de guia de preços.

Entretanto, mesmo guias ou preços de referência podem facilitar colusão, em especial quando implementados por órgão de classe. É o caso da Colômbia, onde esforços de liberalização de preços têm sido frustrados pelo monitoramento e punição de transportadores por parte de associações de classe que impõem regras que deveriam ser não vinculantes. 

A tendência mundial, seja entre países da OCDE ou emergentes, aponta para a remoção completa de quaisquer interferências na determinação de preços de frete. Entre 1998 e 2003, vários países removeram medidas de controle de preços de frete. A Espanha abandonou controle de preços, guias e qualquer interferência por meio de associações de classe; Israel e Itália deixaram o controle de preços; os EUA proibiram associações de classe de criar ou implementar guias de preços. Entre 2003 e 2008, a Grécia deixou a elaboração de guias de preços pelo governo e aboliu a participação de associações na criação ou implementação dessas tabelas.

Ainda na década de 80 e início dos anos 90, a evidência empírica mostra que países que adotaram medidas de estímulo a concorrência no setor, incluindo a remoção do controle de preços de frete — como EUA, México, Indonésia, Hungria, Polônia, República Tcheca e Ruanda — obtiveram resultados positivos, sobretudo em termos de custos e qualidade dos serviços (Teravaninthorn & Raballand 2008U.S. Federal Trade Commission, 2007).

Mesmo em circunstâncias específicas nas quais o governo considere a regulação de preços finais como uma saída, a experiência internacional mostra que instrumentos regulatórios alternativos podem satisfazer os mesmos objetivos causando menos distorções.

Um sistema de monitoramento de insumos relevantes ao setor pode reduzir a assimetria de informação entre transportadores e contratantes, sendo uma solução menos disruptiva do que o controle ou mesmo monitoramento de preços finais. Alguns países da Europa, incluindo a França, adotam esse tipo de sistema.

Menos distorcido do que o controle de preços, porém mais arriscado do que o mero monitoramento, outra opção é o estabelecimento de preços de referência. Entretanto, este modelo pode facilitar a colusão, além de estar invariavelmente desconectado da dinâmica atual de preços de mercado, dada a flutuação de preços dos vários insumos considerados na formação do preço final de frete rodoviário.

Além disso, entender exatamente as fontes de distorções no mercado possibilitaria desenhar soluções regulatórias mais adequadas. Possíveis soluções podem estar associadas a medidas como: (a) rever a adequação das regulações de segurança, qualidade e meio ambiente, que pode suscitar não somente informalidade, como também excesso de capacidade, reduzindo assim a qualidade dos serviços, além de gerar externalidades negativas associadas à segurança e meio ambiente; (b) implementar programas para renovação ou consolidação da frota, que  —diferentemente do simples suporte público à compra de novos caminhões — exijam a substituição de caminhões velhos por novos como condição para o financiamento; (c) garantir a implementação e funcionamento de novas tecnologias para logística, administração e agrupamento de cargas, tornando os transportadores mais eficientes e competitivos.

Caso a imposição de preço mínimo seja a decisão do Congresso, mesmo ausente a justificativa técnica para intervenção, a experiência internacional aponta algumas possibilidades para mitigar seus potenciais efeitos distorcivos: (i) limitar a prática de preços mínimos a cargas ou setores onde existem falhas de mercado expressivas, como, por exemplo, nos casos onde o desequilíbrio em questão se manifeste num mercado local (determinadas rotas e tipos de carga)  ou quando o objetivo da intervenção é mitigar externalidades negativas de informalidade no setor; (ii) exigir revisão periódica, com potencial extinção da medida caso se identifique que a falha de mercado que a ensejou deixou de existir; (iii) criar uma opção para que a tabela se aplique apenas em casos em que as partes contratante e contratada não acordem um preço para a prestação do serviço —esse mecanismo emularia a função de mediação que a agência reguladora já executa em setores menos propensos à competição, como o transporte ferroviário; (iv) limitar a capacidade de associações de classe ou empresas incumbentes de monitorarem e/ou imporem penalidades àqueles que desrespeitem a regulação, uma vez que a experiência internacional mostra que isso pode facilitar colusão e dificultar a entrada ou desenvolvimento de novos competidores.

Em vez de fomentar um debate público sobre essas opções alternativas, deputados e senadores estão correndo para aprovar novos privilégios e proteção para o setor, o que irá prejudicar toda a economia.

Em ano eleitoral obviamente o Congresso quer agir não apenas para evitar outra greve, mas também para conquistar os votos dos caminhoneiros. No entanto, o mandato do Congresso é defender os interesses de todos os brasileiros, não apenas de um grupo específico. Cabe aos deputados identificar as opções menos distorcivas para minimizar os custos para a sociedade.   

A coluna foi escrita em colaboração com Mariana Iootty, economista sênior da equipe de Mercados e Concorrência do Banco Mundial, e o analista Guilherme de Aguiar Falco

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