- Tem certeza de que não vai escrever sobre política?
- Absoluta.
- Mas é o caderno das eleições.
- Não tenho nada a ver com isso. Eu tava sossegado lá no "Cotidiano", cutucando o meu umbigo e pensando na morte da bezerra, quando o jornal me arrastou pra cá. Não tive muita opção. Foi tipo um Pinheirinho editorial.
- Tô vendo um viés político nessa imagem.
- Brigado por avisar. Vamos mudar de assunto.
- Por que? Você não se interessa pelas eleições?
- Me interesso muito, o problema é esse. A minha ordem de despejo dizia que eu seria instalado aqui pra contribuir de forma "leve e divertida" com a cobertura, mas tá difícil encontrar leveza e diversão...
- Escreve sobre isso, ué? Escreve sobre a histeria na internet.
-Não dá. Sou um dos histéricos.
- Você defende fervorosamente um lado?
- Não. Eu rejeito fervorosamente o outro. (Sei lá. Acho que eu falei isso mais pela piada: olha eu aí tentando ser leve e divertido.)
- Qual o problema de ser leve e divertido?
- Você contaria uma piada no meio de um bombardeio?
- Contaria.
- Sério? Qual?
- Um homem entra num bar com um sapo na cabeça. O barman olha pra ele, assustado, e pergunta: "Cara, que que é isso?" Ao que o sapo responde: "Pois é, não sei, começou como uma hemorroida".
- Uau, se a pessoa não morrer no bombardeio, ela corta os pulsos.
- Desculpa. Eu sou meio pessimista em relação ao ser humano. Você é mais otimista?
- Eu era.
- Até quando?
- Até ver os deputados federais mais votados: Russomanno, em São Paulo, Bolsonaro, no Rio. Agora, se o Ponto Frio atrasar a entrega da TV ou um homem quiser casar com outro homem, a gente já tem quem nos proteja, em Brasília. Vixe Maria...
- Isso é notícia velha. O segundo turno é em uma semana e você precisa tomar uma posição.
- Prefiro tomar uma cerveja.
- Isso é piada velha. Pior do que notícia velha: não dá nem pra embrulhar peixe.
- Dá, sim. A piada tá num jornal. Aliás, é mais curta que notícia, suja menos o peixe.
- Você tá tergiversando. Sabe o que eu acho? Que você tá em cima do muro.
- Não tô, não. Tô de um lado do muro, mas não empolgado o suficiente pra falar pro povo pular pra cá.
- Entendi. Você não vai mesmo falar sobre política?
- Não.
- Vai fazer o que, então, com esse espaço?
- Vou colar uma estrofe de "Tabacaria", posso?
- Por mim...
- (Come chocolates, pequena; Come chocolates! Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates. Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria. Come, pequena suja, come! Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes! Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho, Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
- Fernando Pessoa é foda, né?
- Foda.
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