Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata

A oposição fluorescente

Não vou votar no Aécio, hoje, mas enquanto estiver acompanhando a apuração, no início da noite, um lado meu torcerá secretamente para que ele ganhe. Esse meu lado (que não revelarei a ninguém, caro leitor, só a você, confiante na sua discrição) teme menos os próximos quatro anos sob um governo do PSDB do que os efeitos anabolizantes e lisérgicos que outro quadriênio petista pode causar à direita mais raivosa deste Brasil varonil.

Quando digo direita raivosa, não estou me referindo a quem é a favor de independência do Banco Central, Estado menor e superavit maior. Estou falando dos Bolsonaros e Felicianos, da turma que prega "direitos humanos para humanos direitos", que deseja "afogar esses nordestinos" e diz, em rede nacional, que "órgão excretor não é órgão reprodutor". (Aliás, quando ouvi aquele homúnculo cometer essa afirmação, com a segurança que só a profunda ignorância traz, me perguntei: será que ele faz xixi pelo sovaco? Ou ejacula pelo bigode? Mas não divaguemos, voltemos ao assunto.)

A chegada do PT à Presidência, 12 anos atrás, teve um pernicioso efeito colateral: por ser um partido historicamente ligado às minorias, permitiu à direita mais tacanha camuflar seu preconceito contra negros, mulheres, gays, índios e pobres sob uma papagaiada libertária, de crítica ao poder. A partir de 2003, o cara vinha com uma piadinha jurássica do tipo "o melhor movimento feminino sempre foi o movimento dos quadris" e queria aparecer na foto com um sorrisinho transgressor, tipo, "si hay gobierno, soy contra!". Fazia um número de stand-up racista e alegava estar combatendo a censura do Estado e a opressão do politicamente correto. Falava "as zelite" e "meus deretcho" fingindo zombar do Lula, quando estava é babando a ancestral demofobia.

Tal reação conservadora me parece desproporcional aos avanços dos últimos anos. Afinal, apesar de alguma melhora, continuamos profundamente desiguais. Os negros seguem pior que os brancos, as mulheres ainda ganham menos que os homens, gays não podem se casar e, vira e mexe, são acariciados por heterossexuais com socos, pontapés e lâmpadas fluorescentes.

A direita raivosa, contudo, cada vez mais ensandecida, acredita que vivemos num misto de Venezuela com Sodoma. Pior: os inegáveis casos de corrupção e outras patacoadas do PT fazem o discurso retrógrado chegar àqueles que não comungam de seus preconceitos, mas se indignam, com razão, com os erros do governo. Se na passeata de apoio ao Aécio na última quarta, em SP, que a revista "The Economist" chamou de "revolução do cashmere", a multidão gritava "viva a PM!", o que gritará em 2018, caso a Dilma ganhe?

Com o PSDB no poder, porém, os paranoicos delirantes não teriam como ver, em cada esquina, a ameaça de revolução cubana chefiada por travestis-negras-maconheiras-aborteiras. Abaixariam seus dedinhos exaltados e, cofiando os anacrônicos bigodes, teriam de assumir que seu ódio não é nada além do velho racismo, machismo, homofobia e demofobia do nosso Brasil varonil.

Sem alternância de poder, não é só a situação que corre o risco de perder o pé da realidade: a oposição também precisa, de tempos em tempos, cair do seu troninho.

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