Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Antonio Prata
Descrição de chapéu pt

Explodem os rojões

Crédito: Adams Carvalho/Folhapress

Meus filhos se assustam com os rojões no meio da tarde e não consigo acalmá-los com a mesma serenidade das noites de jogo no Pacaembu. Não digo que estou assustado como eles, já esperava as explosões de gozo com a condenação do Lula em segunda instância, mas estou triste e minha voz soa falsa ao dizer "calma, é só um rojão".

É triste. Triste a condenação do Lula. Triste uma construtora envolvida das fundações à cobertura num enorme escândalo de corrupção durante os governos Lula reformando um apartamento de presente para ele, triste o significado deste presente. Tristes os Pixulekos inflados não pelos defensores da democracia, mas pelo ódio dos que pedem a volta dos militares, o fechamento de museus, o obscurantismo travestido de liberalismo. Tristes os que seguem com Lula a qualquer preço, os que o querem presidente em 2018, fechando os olhos para todos os crimes e erros do PT. Lula não foi condenado porque a elite nunca aceitou a ascensão social dos pobres durante seus governos, mas os rojões que explodem aqui, no meio da tarde, saem das janelas dos apartamentos dos que nunca a aceitaram. Os que diziam "esse aeroporto tá parecendo uma rodoviária".

Tristes os que usam o ódio dessa elite como prova da inocência do Lula.

Triste o impeachment da Dilma, orquestrado pelo "dream team" do atraso nacional. Triste a segunda eleição da Dilma –metade conquistas dos anos Lula, metade campanha mentirosa. Triste que tudo o que os governos do PT fizeram de bom só fosse possível por conta de tudo o que faziam de ruim. Triste o PT abraçado ao PMDB, o PSDB abraçado ao PFL. Triste a nossa crença de que é possível alguma construção sólida sobre este terreno pantanoso, a nossa insistência em jamais drenar o pântano. Nos momentos de otimismo achamos que o pântano é necessário para permitir alguma construção, mas nos momentos de pessimismo, como agora, percebemos que as construções é que estão a serviço do pântano.

É triste ainda mais pra trás. É triste até o que parecia feliz. A "Carta ao povo brasileiro", cujo texto trazia o compromisso do PT com políticas econômicas responsáveis, mas cujo segundo sentido implícito, compreendemos hoje, era que tentariam fazer mudanças sem fazer mudança nenhuma, sem tocar no pântano. A história do Brasil, da redemocratização pra cá, é o contrário da frase célebre de "O Leopardo", que as coisas precisam mudar para permanecerem iguais: elas precisam permanecer iguais para que possa haver alguma tentativa de mudança.

O que, no longo prazo, significa que não há mudança nenhuma.

Triste a forma como fizemos a redemocratização, a anistia ampla, geral e irrestrita que manteve os criminosos impunes, os delegados torturadores de presos políticos com seus mesmos paus de arara agora reservados aos presos comuns, a paródia orwelliana dos asseclas da ditadura migrando para o Partido Democrático Social (Democrático! Social!) e depois para o Partido da Frente Liberal (Liberal!), o Partido dos Trabalhadores, que nasceu em oposição àquilo tudo, associando-se àquilo tudo, caindo por aquilo tudo. E aquilo tudo, que nunca teve tanto poder desde o fim da ditadura, metendo a cabeça num buraco, feito um avestruz e rebatizando seu rabo obeso como MDB. Não deixa de ser uma revolução o que estamos assistindo. Uma revolução de 360°. Explodem os rojões.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.