Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata
Descrição de chapéu

Tem gato na tuba

Tamborins servem para abafar os tiros de AR-15 nos morros ou são o antídoto?

Ilustração Antonio Prata
Adams Carvalho/Folhapress

A Mulher Maravilha com os peitos de fora é quem puxa: Ó abre alas que eu quero passar, o próximo verso já é cantado em uníssono pelo King Kong de sutiã, pelo Chapolin de cocar, pelo rasta-freira, pela fada Sininho, pelo Fred Mercury, por um branquelo de óculos e tiara da Carmen Miranda e mais umas 500 pessoas fantasiadas em torno dos batuques e metais: Eu sou da lira, não posso negar!, o branquelo de óculos sou eu, que suo como um branquelo de óculos sob o sol vândalo do Rio de Janeiro, o calor vem do céu, do vento, dos paralelepípedos, até do gelo nos isopores dos ambulantes, como prova a temperatura das cervejas, centenas de grãos de purpurina navegam pelo delta do Mekong que escorre em minhas costas como os foliões escorrendo pelas ruas, eis o tipo de imagem que surge na cabeça de um paulista no terceiro dia de Carnaval carioca, a sequência ininterrupta de blocos e Antárticas mornas dissolvendo as barreiras entre o mundo da lua e os paralelepípedos do centro, entre os indivíduos e a multidão, eu sou o branquelo de óculos e tiara da Carmen Miranda e também sou a Mulher Maravilha de peitos de fora, o Chapolin de cocar, o pierrô que foi tomar vermute com amendoim, eu sou da lira, não posso negar, Valongo, praça Mauá, rua Acre, um adesivo no orelhão Adrienne completa ativa passiva sem frescura, não sei se chama mais atenção o adesivo ou o orelhão anacrônico bem ali ao lado do Museu do Amanhã, fato é que o orelhão e o nu frontal da Adrienne dão outra perspectiva ao falo metálico erguido na época em que parecia que o país do futuro estava chegando ao presente, agora soa a um futurismo do passado como uma torre dos Jetsons em meio aos prédios decrépitos do centro, deviam rebatizar como Museu do Anteontem, Se a canoa não virar olê olê o lá/ Eu chego lá!, será que chego?, chegamos?, jamais chegaremos?, a canoa virou há tempos?, sempre esteve virada?, o êxtase momesco vai dando lugar ao incômodo, como o cheiro de mijo e perfume misturado vem a sensação de que existe algo muito bonito e importante naquela esbórnia e de que ao mesmo tempo aquela esbórnia é o retrato mais perfeito da esbórnia em que chafurdamos nos últimos 518 anos, meu amigo Fabrício me chama a atenção para a distância entre o sorriso branco dos foliões e a pele preta dos ambulantes cujos ancestrais desembarcaram ali no Valongo há 150 anos e ali seguem até hoje, Antártica, três é dez, Heineken é sete!, um lado do Carnaval insiste na mistura, outro lado (ou o mesmo lado) é a prova de que no Brasil algo jamais se mistura, mas olha a beleza dessas músicas, olha a beleza dessas moças de peito de fora, Chiquinhas Gonzagas abrindo alas no obscurantismo dos Dorias e Crivellas, sim, a esbórnia nos salvará, Pixinguinha, Noel Rosa, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, são todos filhos dessa esbórnia, Machado de Assis também; e Sérgio Cabral, também?, petrolão também?, Romero Jucá também? Gilmar Mendes também?, intervenção militar, também?, será que os tamborins servem para abafar os tiros de AR-15 nos morros ou são o antídoto para os AR-15?, devemos radicalizar este Carnaval e acreditar no Zé Celso e na Tropicália e no Oswald de Andrade ou arrancar as fantasias e enfrentar as contradições que escamoteamos há séculos com PPPs inúteis tipo populismo , pólvora e purpurina?

E e e e e, índio quer apito/ Se não der pau vai comer!.

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