Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata
Descrição de chapéu

São Paulo para os motoristas

Você já viu um motorista ao volante fumando crack? Roubando uma bolsa? Pichando um prédio?

Adams Carvalho
 
 

Em 2018 o prefeito João Doria (PSDB) investirá mais em asfalto (R$ 550 milhões) do que em educação (R$ 168 milhões) e saúde (R$ 545 milhões), segundo matéria de Artur Rodrigues, quarta (28), aqui na Folha. (Os valores se referem somente a investimentos, excluído o custeio —aqueles reais que a prefeitura já gasta todo ano para manter a educação e a saúde devidamente esburacadas). O programa de recapeamento chama-se Asfalto Novo e deve ser a maior vitrine do prefeito em sua provável candidatura ao Palácio dos Bandeirantes. 

Acho coerente. Lembremos que Doria foi eleito não só pela grande novidade que trouxe à política nacional —o sapatênis— mas pela promessa de aumentar a velocidade nas marginais: “Acelera São Paulo” era seu slogan. A medida ia contra as estatísticas sobre mortes no trânsito, contra as opiniões dos engenheiros de tráfego e contra a tendência nas principais metrópoles mundiais, o que só demonstra o livre pensar do prefeiTOP e sua crença na primazia do indivíduo sobre o coletivo. Coletivo, aliás, é coisa de comunista. Agir de acordo com números, estudos acadêmicos e consensos internacionais também é coisa de comunista. A velocidade, inclusive, tinha sido reduzida pelo comunista Haddad; o paulistano, que já estava farto da roubalheira do PT, não deixou barato o furto de seus 20 km/h, engatou uma quinta e elegeu o Doria em primeiro turno. Quer andar devagarinho? Vai pra Cuba! (Duvido que algum daqueles 
calhambeques chegue a 90 km/h).

Há quem tenha achado a decisão de aumentar os limites de velocidade, além de irresponsável, desimportante. Discordo e muito. Como as principais vítimas em acidentes de trânsito são motoqueiros e pedestres, o “Acelera São Paulo” foi não só um marco na luta pelos direitos individuais como um evidente avanço sobre a pobreza. 

Na campanha para o governo, Doria não deveria se intimidar com as críticas, devia radicalizar o discurso, continuar fazendo seu “vezinho” da vitória de lado e sair com o slogan “São Paulo para os motoristas”. O lema da nossa capital é o “Non ducor, duco”, “Não sou conduzido, conduzo”, ou seja, este não é um estado para quem anda de ônibus ou metrô, é um estado para quem está no volante. Convenhamos, a pessoa não conseguiu ganhar dinheiro nem pra comprar um Corsa e agora quer que o Estado cuide dela? Isso é “coitadismo”, é “vitimismo”. Somos a favor da meritocracia. E do sapatênis. 

“Ah, mas governar só pros motoristas é elitismo!”, vão dizer nas redes sociais. Não, é governar pra quem merece. Pro cidadão de bem. Você já viu um motorista ao volante fumando crack? Roubando bolsa? Pichando o décimo andar de um prédio? Não, é sempre pedestre. Coincidência? Não me parece. Combatendo o pedestre estaremos combatendo grande parte dos males que assolam nossas cidades. (O “sola” dentro de “assolam” não é mera coincidência).  

Não digo que o Doria, uma vez eleito governador, deva proibir as pessoas de andarem a pé. Proibir é coisa de comunista. Devia era liberar as calçadas para os carros. Assim, naturalmente, os pedestres desaparecerão. Sem pedestres, deve chegar a zero o número de atropelamentos, desafogando o tráfego e permitindo que o motorista paulista, o motorista empreendedor, o motorista meritocrata, o motorista de bem faça mais rápido, com sua família, o trajeto da casa ao shopping —este sim um lugar onde as pessoas devem andar a pé. De forma ordeira. E de sapatênis.

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